Tuesday, November 05, 2013

Pão e Circo Romanos (da série Expresso 222..., Livro 5)


Pão e Circo Romanos

 

                        Num desses programas Discovery ou National Geografic, não sei, o autor-narrador da série disse que o “pão romano” era um sistema de previdência, o que eu nunca havia notado, por ter uma raiva congênita da opressão. “Pão e circo” sempre soaram como o ápice da maldade, mas aprendi do modelo, posteridades e ulterioridades que a soma é mesmo zero, 50/50. Então, há o outro lado, sempre.

                        Com um milhão de habitantes na cidade e um império englobando povos que chegaram a somar 100 milhões de pessoas, tanto quanto a China na mesma época, Roma deveria ser mesmo avançada para a ocasião.

                        Podemos pensar que tal sistema de previdência abarcasse a maior parte dos cidadãos, os bárbaros naturalmente excluídos. Como cada vez mais gente fazendo parte dele, com cada vez mais gente incorporada à cidadania, essa proteção (devida, mas pesada) do Estado pode ter sido uma das causas da decadência romana, abarcando nos grandes braços da Mãe Roma gente demasiada e enfraquecendo o moral pelos favores e as trapaças inerentes, como acontece no Brasil contemporâneo, com tanta gente fraudando facilmente o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).

                        Da outra parte temos o “circo”, o sistema de divertimento (quase gratuito) governempresarial, muito mais eficaz (e brutal) que o atual, que consta de estádios e ginásios.

                        Temos também os “banhos públicos”, as praças de antigamente, mas melhores, no sentido de que desnudadas fisicamente as pessoas estavam (lembre-se de que as roupas não indicam só a casta do TER, as quatro classes – ricos, médios-altos, pobres e miseráveis -, como ainda constituem um separador ou operador lingüístico relativo à exclusão do conhecimento) MUITO MAIS próximas que agoraqui. Neste sentido não superamos ainda os romanos, embora agora existam clubes (que são, por definição, fechados).

                        E outras instituições romanas que, fora Constantinopla, a cidade mais avançada do mundo durante mil anos, deixou de existir por toda a Idade Média e na verdade só voltaram a ser adotadas timidamente do século XIX em diante, em particular no século XX, no Brasil tão recentemente quando Getúlio Vargas.

                        Enfim, os romanos não eram simplórios. Pelo contrário, antes das exigências do cristianismo, que realmente veio a transformar o mundo, levá-lo além da forma, constituíram a forma mais avançada de governempresa, só batida dois milênios depois. Exceto a China, é claro, que é um caso à parte. Não admira mesmo nada que os ingleses, os alemães, os povos europeus todos e os americanos os tenham em grande conta. E isso sem ter feito estes raciocínios de agoraqui, fora o da previdência privada, num nível não-dirigido, não-apontador, não-investigador.

                        Podemos traduzir “pão e circo” como “previdência e contentamento”, ou “futuro e alegria”, ou “tranqüilidade e satisfação”, uma fórmula que, com a devida adaptação à brandura cristã, pode continuar a ser usada por gente de alma boa (mas não pelos perversos e os maus).

                        Vitória, quinta-feira, 25 de julho de 2002.

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