Sunday, July 17, 2016


Pessoas Plastificadas

 

Já falei procês, tenho esse azar, vai ver que chutei o pau da cruz, tô condenado, sei lá, vou pro bar pra ficar quieto, pensando na morte da bezerra longe de casa, acalmando o coração para não levar problema para a mulher, que a vida dela já é tumultuada com as várias tarefas, vou lá, beberico minha cervejinha, às vezes peço uma caninha, um tira-gosto, fico ali, sem perturbar ninguém, olho pros lados, lá estão vários companheiros, batemos as cabeças, todo mundo se conhece, salgadinhos bons, é uma alegria, no outro dia recomeça tudo, vamos levando até a aposentadoria. Isso, quando a gente não quer conversar, todo mundo respeita, aquela liberdade de mesa de bar, para esquecer os merdas dos políticos, as implicâncias dos colegas no serviço, a inflação que vai mais ligeiro do que dizem, a impotência diante dos problemas, os filhos que não dão sossego.

Ninguém interfere, TODO MUNDO sabe que é o momento sagrado, aquele instante em que a gente não quer barulho na cabeça, aquele silêncio total em meio ao barulho, a gente se sente quase um Bush, de tão vazio. É uma beleza! Lulambão passando lá longe, a bezerrada mamando nas tetas da nação, a gente nem lembra, que maravilha.

Silêncio.

Em volta os outros budas.

Ah!

O dono do bar não permite TV, nem rádio, nem cantores, nada mesmo, todo mundo conhece na Praia do Canto, na Tenório com a Dona Jacinta, é, ali mesmo, um torresminho, polenta frita, linguiça no bafo, frita ou no pão, escorceta no feijão, rabinho de porco, uma chuleta na brasa, bife picadinho com cebola frita, bolinho de bacalhau, queijo frito à Davi, é um pedaço do Céu, mas a gente não espalha, fica na moita, se alguém pergunta a gente diz “parece que fechou”, ninguém tá pedindo freguesia, o Nico tá satisfeito, faz pela amizade.

Nisso, vou te dizer, só eu, senta esse cara.

CARA (sem ninguém convidar sentou logo na minha mesa, eu não podia enxotar porque a mesa não era mesmo minha, mas fiz cara de bravo para ver se ele ia embora, não foi) – fiquei imaginando uma cena de cinema, as pessoas bonitas, as mulheres perfeitas, semblantes maravilhosos, corpos divinos, saradões, peitões de arrasar, pernas altas, bundinhas arrebitadinhas (fui ficando emocionado, a descrição até animava a gente), tudo nos conformes ...

Pediu uns tira-gostos, ofereceu, peguei, fazer o quê? Pagou duas cervejas de uma vez, pediu para reservar uma caixa de seis, pediu um daqueles pipotes de chope de colocar na mesa, até que agradou.

CARA - ..., daí quando terminam o filme inicial vem um outro, eles e elas saem de dentro dos corpos aparentes, por dentro é tudo pelanca, uns rostos horrorosos (tive um estremecimento), sem fake, tudo torcido, as pessoas são como as normais, esquisitonas como nós ...

Tentei me endireitar na cadeira, parecer menos ruim, empinei um pouco, não vou negar, tentei me aprumar.

Ficou ali, falando aquelas coisas.

Acredita que depois disso não consegui mais ver filme sem pensar nas pessoas por trás das máscaras?

AS MÁSCARAS

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Esse filho da puta acabou com a minha vida.

Não consigo mais ver filmes, só vejo sacanagem, fico reparando nessas coisas malignas que impingem à gente, acho que são monstros, os temas que eles abordam são de lascar.

Como dizem, tudo que é ruim tem um lado bom, falei com minha filha (é minha esposa, eu que chamo assim, expliquei tudo, não gosto de nada atravessado), “minha filha, vou parar de assistir filmes, está bem? ”

Fico mais no bar.

Se estou sozinho, quando esse sacana se aproxima eu fecho os braços em cima da mesa e digo na tampa mesmo, “aqui, não, vai pousar noutro poleiro, urubu”. Não apenas eu, todo mundo, até que ele mudou de bar, já vai tarde.

Serra, quarta-feira, 27 de janeiro de 2016.
GAVA.

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