Tuesday, November 05, 2013

Pedagogia do Interesse (da série Expresso 222..., Livro 5)


Pedagogia do Interesse

 

                        Foi Paulo Freire quem, primeiro nos tempos contemporâneos, redescobriu isso que chamei aqui de pedagogia de interesse, de ver o lado de quem quer aprender, em lugar de empurrar matéria. É claro que do lado contrário/complementar a chamada Escola da Vida prima justamente por isso, a pessoa (indivíduo, família, grupo e empresa) indo em busca do que lhe interessa mais de perto, das suas vontades egoístas, enquanto a Vida da Escola é de ausência, do absenteísmo de si, da alienação.

                        Quase todo mundo sabe disso, não teórica mas praticamente (menos os intelectuais, é claro).

                        Paulo Freire prometeu às pessoas que elas falariam daquilo mesmo com o quê conviviam, aquelas coisas próximas, do dia-a-dia, em lugar de treinarem alegremente para serem servos da burguesia. Porisso em toda parte, mesmo entre os dominantes, sua mensagem foi vencedora.

                        Denominei a essa possibilidade Contemporanização da Educação, trazê-la para a atualidade, em lugar de ela ser, como é agora, avançadíssima para 1600. A Escola da Vida é interessantíssima mas inócua, inofensiva, enquanto a Vida da Escola é chatíssima mas proficiente, competente.

                        Por que os educadores e os governempresas não são capazes de dar às pessoas aquilo que interessa a elas? São sempre coisas forçadas, feitas para domesticar o povo até certo ponto e as jovens elites, futuros dominadores, até o final. Desde o começo do domínio da burguesia ensina-se sempre a submissão, quando o lucro seria muito mais bem servido se as pessoas todas se tornassem grandes, e elas mesmas. Como é feito, um monte de cabrestos é posto e todo mundo fica muito mais conformado, não expandindo suas potencialidades ao máximo. Devem desenvolver as potencialidades alheias, nas quais elas não são aptas.

                        Que interesses cada criança em sala tem?

                        Antes não seria possível facilmente atender todas as expectativas, porém com a Internet e a restante mídia contemporânea, sim. Agora é e será cada vez mais. Então, que estamos esperando? O mundo tristíssimo que foi criado, com bilhões sofrendo a angústia contínua das imposições, ao passo que há interesses inumeráveis esperando em cada esquina.

                        Se os professores ensinassem com base nesses interesses, que aconteceria? Muito provavelmente uma revolução. É claro que o mundo deve continuar girando e os substitutos dos futuros mortos devem ser preparados, de modo que uma parte do dia pode e deve ser reservada para tal. Na outra metade os alunos aprenderiam coisas da existência comum, todos os milhares de coisas interessantíssimas, cativantes.

                        De 7 às 12 Vida da Escola, das 13 às 18 Escola da Vida. Adivinhe qual terá maior freqüência e vibração! De manhã a obrigação para com o coletivo de produção, de tarde a satisfação consigo mesmo. Do jeito que vamos não existe harmonia, não há soma zero, e sim uma descompensação em favor do obrigatório, do imperativo, do forçoso, até do vexatório, do opressivo, do humilhante, do impositivo, do que vem de cima para baixo, do todo para a parte, sem a contraparte que iria de baixo para cima, da parte para o todo. Essa descompensação está na base de todo o sofrimento humano. Só coletivo pode exprimir-se e exigir, sem que o particular possa dizer de si, de suas carências e necessidades: de amor, de companheirismo, de identidade, de aplausos, de parceria, de amizade.

                        Só o interesse da Pedagogia é preservado, sem a compensação da Pedagogia do interesse. Só se faz valer um lado, sem a presença restabilizadora do outro. Não admira mesmo nada que o mundo esteja um caco, um pedaço de estrume. Por toda parte só choro, só depravação, só dor, só miséria do SER e do TER. Por todo lado desencontro e desencanto, para uma Vida geral e uma Vida psicológica tão belas.

                        É hora de alterar as coisas.

                        Chegou o tempo de povoar o universo humano de belezas.

                        Vitória, quinta-feira, 18 de julho de 2002.

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