Sunday, November 03, 2013

Princípio Fiscal (da série Expresso 222..., Livro 3)


Princípio Fiscal

 

                        No livro de Gerard Walter, Em Bizâncio (No Século dos Comnenos, 1081 – 1180), Lisboa, Livros do Brasil, s/d, p. 69, ele diz: “O sistema fiscal que vigorava em Bizâncio fazia que o Tesouro recebesse no conjunto menos imposto sobre os grandes domínios do que sobre as pequenas propriedades, colectáveis separadamente a uma taxa que permitia realizar uma entrada fiscal nitidamente superior. Romão Lecapene bem o tinha compreendido. ‘É o estabelecimento do grande número’, dizia ele na sua lei acima citada, ‘que paga os impostos, que faz face a todos os encargos militares; tudo isso cai se o grande número falhar’. Por outras palavras: os rendimentos do Estado diminuem quando as propriedades dos poderosos aumentam”.

                        Romão Lecapene foi promovido a César em 24 de setembro de 920 em Constantinopla ou Bizâncio (hoje Istambul, na Turquia) e coroado co-imperador em 17 de dezembro do mesmo ano; foi apeado do poder em 945 por Constantino VII, que o enviou ao exílio.

                        O Brasil tem 58 tributos que vingaram e todos incidem sobre o povo. O que não vingou, embora esteja definido na Constituição de 1988, é aquele sobre as grandes fortunas. Este não prosperou. Foi o único.

                        Inclusive, a Contribuição PROVISÓRIA sobre Movimentação Financeira, CPMF, tornou-se permanente.

                        O “grande número” de que falava o Romão Lecapene é o povo, são as massas. No Brasil os miseráveis são 30 % e os pobres 50 %, somando, portanto, 80 %, ao passo que os médios-altos são 15 % e os ricos 5 %, somando 20 %, ou seja, quatro daqueles para um destes. Obviamente os tributos encontram-se deslocados em desfavor do “grande número”.

             O resultado palpável é que quase nunca o Estado, em qualquer nível (federal, estadual ou municipal/urbano), está em equilíbrio em suas contas, ou com saldo positivo. Está sempre pedindo dinheiro, aqui e acolá, de forma que paga juros continuamente, diminuindo ainda mais suas possibilidades de investimentos na salvação nacional e no futuro. Os governos brasileiros vivem de investir no passado, nas elites, que “já foram”, como diz o povo. Nunca são grandes, são consistentemente pequenos, na dimensão da falta do tributo, porque só cobram dos pobres, que pouco podem fazer, PORQUE, é claro, 80 % das rendas ficam em posse dos 20 % mais ricos. Ou seja, 20 % possuem 80 %, enquanto 80 % possuem 20 %, ou seja, há uma distância de ¼ x ¼ = 1/16 entre uns e outros.

            Veja só que Lecapene e seus teóricos viram isso mais de 1.050 anos atrás e os de agora não têm coragem de fazer, porque sabem instintivamente (mesmo se se preocupam um pouquinho que seja com o povo) que cairiam logo em seguida.

            Aqui no Brasil preferem satisfazer os latifundiários, os concentradores de terra, e os hegemônicos, os concentradores de qualquer coisa, por exemplo, propriedades em geral e dinheiro em particular.

            Além disso, os governos vivem de dar anistias às empresas. Não às pessoas físicas, os indivíduos e as famílias, mas às pessoas jurídicas, os grupos e as empresas. Nunca há anistia para as dívidas das famílias com o INSS, por exemplo, enquanto sucessivamente os governos do ES dão até 95 % de desconto nas multas, restando 5 % (que se for de 30 % dá 1,5 % - somando-se aos 17 % do ICMS seriam 18,5 %, o que favorece a aventura da sonegação).

            Enfim, eles esquecem propositalmente o “grande número”, o povo e as massas, favorecendo o “pequeno número”, as elites, o que vai logo a seguir gerar um punhado de problemas de caixa - da folha de pagamentos e dos investimentos governamentais.

            Essa ELITIZAÇÃO DOS TRIBUTOS, em termos de benefícios unilaterais, logo irá estourar os orçamentos governamentais. Assim, os governos vão se arrastando, para grande felicidade das elites. Quando Reagan entrou, logo tratou de retirar os impostos incidentes sobre os poderosos. O resultado, logo a seguir, foi que os Estados Unidos amargaram déficits crescentes, as dívidas interna e externa crescendo desmesuradamente, o mesmo acontecendo no Brasil.

            A solução é conhecida há um milênio, pelo menos.

            A coragem e a dignidade é que não são conhecidas pelas elites governantes e os empresários.

            Vitória, sábado, 08 de junho de 2002.

No comments: