Thursday, June 27, 2013

Tudovaicomamão, o Faraó do Decerto (da série Conto Tudo Novo)


Tudovaicomamão era chamado Faraó do Decerto, porque se ele dissesse “decerto”, tudo bem, podia acreditar que era certo mesmo como 2 e 2 são quatro. Se ele ficasse em silêncio, pairava a dúvida, ia pensar, voltava e dizia sim, decerto, ou não, nesse caso você poderia desistir para sempre, ninguém que você contratasse faria dar certo, não dava mesmo, nem com reza brava.
O Faraó Tudovaicomamão partia do princípio que há 25 quadros num filme em cada segundo, então em um minuto são 1.500 quadros; mas a mão era mais rápida que isso, frequência = f = 1/T, sendo T o tempo – ora, neste caso a frequência da mão deveria ser maior que 1/25. Os mágicos sabiam disso e o Faraó Tudovaicomamão sabia disso, tinha estudado física, tinha estado na universidade. Não que você pensa que os melhores e mais tarimbados ladrões não são formados? Pelo contrário, o ladrões de galinha é que são os sem formação nenhuma.
Para começar o Faraó tinha estabelecido um Fundo de Emergência, separava sistematicamente 25 % dos ganhos para defesa no caso de cair em alguma arapuca e como nunca caia esse dinheiro, aplicado num paraíso fiscal onde se encontrava tanta gente boa (Era o Paraíso, o que você iria querer? Todos eram felizes lá, menos os que não iam) foi se tornando montante enorme.
É que o Faraó trabalhava para gente grande e fazia muito dinheiro. Era gente que não regateava, gente rica, riquíssima, gente de bom gosto, ele roubava obras de arte e as substituía por cópias “perfeitas” (quando descobriam não podia falar nada, pois isso mostraria falhas de segurança – os museus estavam repletos de todo tipo de cópias há séculos). Era gente que tinha bilhões e às quais quase nada mais interessava, salvo aquilo que ninguém poderia ter, obras que eram conseguidas para uso exclusivo, emparedadas, colocadas debaixo das casas, deixadas para os herdeiros apreciarem – achava que era desperdício serem vistas por “gente do povo”. Que é isso, minha gente, o povo ter acesso a coisas tão nobres? De modo nenhum.
Contratavam o Faraó. Quadros, peças de cerâmica de milhares de anos, estátuas, livros preciosos, tudo mandavam copiar para colocar o falso no lugar do verdadeiro: o povo ficava com o falso e eles ficavam com o verdadeiro. O povo só tomava contato com falsas verdades, as verdades verdadeiras só eles viam. Já que os governos trabalhavam para os ricos, qual a novidade? Os ricos usavam cortinas de fumaça, mas de marcas boas, eram lindas, muito bem elaboradas.
Na verdade o Faraó era uma espécie de funcionário público dos ricos, só que não batia ponto, cumprindo rigorosamente contra altos pagamentos as tarefas mais espinhosas. É evidente, era esperado, o Faraó Tudovaicomamão ficava com uma parte para ele e quando ele morreu é que o detetive Carter descobriu as coisas acumuladas. Mas aquilo era um infinitésimo do que os ricos tinham pegado para eles.
A imprensa divulgou como se fosse um acontecimento. O que sabe a imprensa? Não passa de outra funcionária do poder.

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