Thursday, June 27, 2013

Vacina Contra a Raiva (da série Conto Tudo Novo)


No gene Y232A7 os bioquímicos descobriram a fonte da raiva masculina (que nas mulheres opera pouco) e daí foi um passo para descobrir a vacina efetiva contra todo tipo de raiva dos homens.
Prontamente e sem pensar duas vezes os deputados de todo o mundo (eles são psicólogos práticos, não profissionais, não pensam muito nem consultam os pesquisadores) trataram de passar leis obrigando todos os homens a tomar a vacina.
Já não havia mais casos de agressão a mulheres, o que foi uma benção; nem a crianças, o que todos aplaudiram, até os antigos violentos. Nem a idosos (pelo menos por parte dos homens). E já que os homens se tornaram uns doces, as mulheres não receavam impor e superimpor sua autoridade, usando e abusando de suas novas prerrogativas. O número de filhos diminuiu. O número de empresas agressivas também diminuiu.
As pessoas podiam furar filas à vontade, com a única oposição branda e educada das mulheres. Não havia mais exércitos (os pacifistas aplaudiram freneticamente e quiseram canonizar os bio-cientistas e os farmacologistas responsáveis pelo desenvolvimento e propagação da vacina sob inúmeros nomes comerciais), pois foram todos desmobilizados ou eram compostos unicamente de mulheres.
Não havia mais aqueles bate-bocas nos bares, nem ameadas de morte, puxa vida, que alívio. Diminuiu a libido, pelo menos aquela parte que vinha da agressividade.
O boxe e outros esportes agressivos desapareceram, o futebol se tornou um jogo de comadres com muitos “por favor, você primeiro” e “tenha a bondade de pegar a bola” e “desculpe se te feri, tá?”. Não havia mais quebra-quebras nos bares, nem desforras em carteiras escolares, nem muito menos aquelas coisas de americano com gente matando crianças do alto de e telhados. Disso todo mundo gostou.
Houve alívio no mundo inteiro.
A excitação desceu vários degraus, o stress abaixou muito, não havia mais muros, tudo isso foi muito bom. Policiais para quê? As tarefas dos juízes se resumiam a pequenos casos de esbarrões (todos com muitos pedidos de desculpa), as feiras-livres eram um primor de dignidade e complacência, o mais leve estremecer da quietude merecendo o repúdio de todos e cada um.
Os estudos de psicologia reduziram quase a zero, quem iria estudar as receitas domésticas? Os papos de bar eram pura mansuetude, as religiões reduziram seu apelo (não havia mais conselhos a dar visando aquietar os espíritos, todos eles eram quietos por natureza das vacinas).
As atividades socioeconômicas reduziram bastante, pois logo de cara metade vinha de cada par polar oposto-complementar, neste caso tendo sido abolida a raiva.
Tudo agora era (veja o Houaiss eletrônico) “benevolência, calma, calmaria, complacência, equilíbrio, fleuma, impassibilidade, mansidão, pacatez, pacificidade, placidez, resignação, serenidade, sossego, tranquilidade”. Uma beleza. Nada de filmes agressivos. A resignação aprofundou-se, a desilusão com o futuro ampliou. A serenidade atingiu picos, os objetivos foram reduzidos progressivamente, havia cada vez mais gente nos mosteiros e cada vez menos gente para produzir. Os índices de suicídio ampliaram fenomenalmente.
Alguns pararam para pensar que planejar a humanidade não era fácil, mexer em qualquer polo era complicado.
Era preciso pensar muito.

No comments: