- Bom dia, senhor diretor.
- Bom dia, senhor Mango. Aliás, que
tipo de nome é esse? Quando te conheci de pequeno nunca perguntei seu nome.
Como vai seu pai?
- Bem, ele sempre se lembra do
senhor, manda lembranças. Foi de quando eles estiveram nos EUA, é manga em
inglês.
- Obrigado, diga que agradeço, dê um
abraço nele, sempre me lembro dele e de sua mãe, ambos bons alunos, aplicados,
cumpridores dos deveres, obedientes, sérios, VIU SENHOR MANGO?
- Não precisa dar indireta, senhor
diretor.
- Não é indireta. O senhor deve ter
ouvido falar da minha discussão com o senhor Romualdo.
- Ouvi, sim, o senhor melhorou?
- Melhorei, após uma semana de cama,
porisso vou tentar levar na flauta com o senhor. Vieram me contar em surdinha,
por eles o terem na conta de protegido meu, em virtude das boas relações com
seus pais e para não me estafar, contaram bem maciamente que o senhor publicou
à revelia do Instituto um livro em que subverte a história do Egito, dizendo-o
descendente da Núbia e composto inteiramente de negros. Sei que o senhor é
negro, filho daqueles excelentes pais que eu amo, mas o Egito é um amálgama,
senhor Mango, uma mistura.
Enquanto o diretor circula por trás
da cadeira do Mango, faz o gesto de estrangulá-lo.
- Eu vi pelo reflexo, senhor
diretor.
- Pois é, vou tentar me acalmar, eu
preciso tanto disso. O senhor vai se lembrar de que toda a dinastia ptolomaica
era grega, branca. Nefertiti de Akenaton era branca, Nefertari de Ramsés era
branca, milhões de egípcios eram brancos, senhor mango, senão seriam todos
negros e são mestiços. Como seriam mestiços, se não houvesse brancos por lá? E
o senhor dizer que Jesus era negro, vamos e venhamos, poderia até ser, qual é o
problema? O fato é que ele era judeu e os judeus são brancos de cabelos pretos.
Têm o nariz aquilino: o senhor já viu algum negro de nariz aquilino?
- Não, esqueci esse detalhe.
- As revistas estão pegando no nosso
pé. Recebi vários telefonemas das universidades americanas nos gozando. Até o
instituto egípcio emitiu uma carta de protesto, veja, senhor Mango, DO EGITO. O
senhor não pode sair por aí inventando essas coisas.
- E a palestra de outro dia sobre os
Fatos Imaginários?
- É uma gozação, senhor Mango, todos
os calouros passam por isso, é um lembrete aos percalços aos de dentro e sobre
os abusos dos de fora, inclusive os jornalistas, os literatos, os ficcionistas
e todos mais. São exercícios internos, não estão destinados a sair da
instituição. São debates sobre as armadilhas.
- Mas eu pensei...
- O senhor pensou, senhor Mango, mas
pensou mal. O senhor nos constrangeu. O seu pai praticamente entregou em minhas
mãos a sua educação, o que vou dizer a ele, amigos há 45 anos?
(MANGO NÃO SABIA ONDE ENFIAR A
CABEÇA).
- Historiadores não inventam, por
vezes interpretam errado, mas pesquisam demoradamente os documentos, entram nas
bibliotecas e depois de décadas emergem com algo novo. O senhor, LOGO NO
PRIMEIRO ANO já subverteu a história toda. Os historiadores estudam as
pesquisas dos arqueólogos, dos antropólogos, dos paleontólogos e até dos
geólogos, sem falar em ler as obras todas dos geo-historiadores, passamos
décadas, senhor Mango, DÉCADAS, PELO AMOR DE JESUS CRISTO...
Foi dando um calor horrível no
diretor e ele desmaiou de novo.
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