Natália entrou na sala de reuniões onde à mesa
grande estavam sentados lado a lado o diretor e dona Lídia, em oposição à
chegada pela porta.
LÍDIA (botando a mão no ombro dele, é
mulher de uns 38 anos, ele tem 65 ou mais) – senhor diretor, não se estresse, o
senhor sabe como é importante para nós, mês passado o senhor já teve problemas
demais (DISSE, CARRANCUDA).
DIRETOR – certo. Natália, minha filha...
NATÁLIA (entredentes) – não sou sua filha.
DIRETOR – certo. Natália, você deu uma
entrevista falando em discos voadores, os jornais estamparam: “Instituto
confirma existência de vida extraterrestre”. Nós não autorizamos isso, estão
ligando para nós de todos os outros institutos do mundo inteiro.
NATÁLIA – falei mesmo, porque é verdade.
DIRETOR (tamborilando os dedos na mesa) –
você não poderia ter falado isso, você não existe sozinha, é parte desta
instituição, assinou o contrato de trabalho e de sigilo.
NATÁLIA –li o contrato, ele só fala em
sigilo em relação ao que eu pesquisasse, isso não fui eu, todo mundo aqui sabe.
DIRETOR – SÓ PORQUE TODO MUNDO SABE É PRA
FALAR? Você fala das brigas dos seus pais? Fala das brigas deles com você?
LÍDIA (inquieta) – diretor, não se afobe,
olhe a pressão. Deixe que eu fale com ela. Mocinha...
NATÁLIA – sou moça sim, decidi casar
virgem, meu namorado concorda, você não tem nada com isso, não pode debochar de
mim (e, à boca pequena), sua sapatona ordinária.
LÍDIA (que de onde estava pulou por sobre a
mesa, agarrou-a pela lapela e deu dois bofetes, um em cada face) – isso é para
endireitar seus miolos, sua vaquinha safada. Primeiro que não sou. Segundo que
é preconceito falar isso; você pode ser preconceituosa, como estou vendo que é,
mas não pode expressar isso, está na lei.
DIRETOR (puxando-a) – Lídia, se acalme.
LÍDIA (sentando-se e se compondo, enquanto
Natália debulha-se em lágrimas) – desculpe, querido.
NATÁLIA (a sotto voce) – eu vou te pegar, sua
égua.
DIRETOR – Natália, olhe, você não pode sair
por aí falando essas coisas. O que você acha que os institutos são? Será que os
executivos, os legisladores, os juízes, o Ministério Público, os empresários podem
sair por aí pesquisando e se enfurnando nas biblio-tocas onde as coisas são entocadas?
Elas são postas lá para serem esquecidas, mas por vezes eles precisam dos
elementos. Quem vai buscá-los? Eles teriam tempo?
NATÁLIA (a contragosto) – não.
DIRETOR (pacientemente) – então, nós é que
fazemos esse trabalho de busca e de ocultamento ao mesmo tempo, jogamos
cortinas de fumaça. A senhorita acha que o Instituto de Geo-História fala a
verdade purinha? Não, só servimos à classe no poder. Nós inventamos a geo-história,
entende?
NATÁLIA (debochada) – não sou nenhuma
criancinha.
DIRETOR (alisando a gravata) – sei disso,
seus pais trabalharam aqui, vi-a crescer, tornar-se adulta, formar-se. (faz uma
pausa, procura acalmar-se) Temos essa política de mostrar-ocultar. Na rua só
tem poste com luz de um lado, um lado fica na escuridão, o lado oculto da rua:
mostramos o que pode ser mostrado. Sabe o lado oculto da Lua?
NATÁLIA (abismada) – Não!!!
O diretor e Lídia se olham com um arzinho
de mofa e superioridade, o diretor está mais calmo e superior que nunca.
DIRETOR (galhofeiro) – pois, então.
NATÁLIA – jamais, a última vez em que se
pôde ver o lado oculto da Lua foi há milhões de anos, bilhões de anos. Ninguém
daria testemunho disso...
DIRETOR (e Lídia; verdadeiramente felizes,
rindo que nem rico) – então. A senhorita ainda é júnior, nem é sênior ainda.
Nós combinamos com seus pais e eles com seus parentes, a senhorita vai com seu
noivo para uma das nossas fazendas no Centro Oeste, vamos dizer que é questão
de dependência química, a senhorita teve uma crise devido ao uso de Santo
Daime, vai ficar lá seis meses. Ao voltar vamos lhe mostrar algumas coisas.
NATÁLIA (cabisbaixa) – sim (sai).
LÍDIA – ah, querido, você foi maravilhoso, às
22 lá em casa. Sua mulher vai voltar quando?
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