Alguém reparou que as mulheres eram muito
comportadas em ônibus, ao passo que os homens, não. Então, só a título de
experiência, fizeram lotações só de umas e de outros.
No ônibus das mulheres (tudo devidamente
registrado por câmaras para formalizar o experimento) elas se sentavam
empinadinhas, uma ao lado da outra, lendo ou conversando com a maior educação,
a maior civilidade. Quando havia mulheres em pé elas também ficavam
comportadas, nunca roçando uma na outra, fora alguma botina devidamente
repudiada. Se precisavam passar pediam licença, se necessitavam abrir uma
janela (o que raramente acontecia, pois sentiam frio) pediam licença. Enfim,
era afável mesmo, coisa fina. Quando ouviam música punham os fones de ouvido.
Em compensação, no ônibus dos homens uns
ocupavam mais que sua metade da cadeira, ficando meia bunda do outro da
esquerda ou da direita pendente ao lado do corredor. As janelas estavam todas
abertas, claro. Quem ficava na cadeira do corredor estendia a perna e o joelho
adiante, incomodando os demais. Quem estava de pé ficava roçando no ombro de
quem estava sentado na cadeira do corredor e este ia mais para dentro,
esbarrando no da janela. Uns palitavam os dentes, outros ouviam música funk,
rap ou gospel a toda altura. Embora já estivesse ventando muito, um abriu o
quebra-vento de teto. No fundo do ônibus as cadeiras 1, 3 e 5 estava ocupadas,
com separação regulamentar entre elas, e ninguém queria sentar na 2 e na 4: foi
um custo, pois os outros abriam as pernas. Uns arrotavam, outros peidavam,
outros cuspiam contra o vento.
E travou-se este diálogo.
- Cara, você tá gostando de roçar no meu
ombro?
- Não tô roçando no seu ombro.
- Tá sim, que eu tô vendo e, pior, estou
sentindo, cê tá gozando?
- Também tô vendo.
- Tem um veadinho me empurrando.
- Fala com ele, porra.
- Ei, cabra, pára de me empurrar que o
distinto aqui na minha frente tá incomodado.
- É que não há espaço, o sacana aqui da
frente tá com as pernas abertas.
- Quem é sacana?
- Você, porra.
- Se eu tô com as pernas abertas é que o
sujeitinho aqui do meu lado tomou uma cadeira e meia, essa baleia, tomara que
ela entre em extinção.
O motorista dá uma “freada de arrumação”,
todo mundo é projetado para frente pela inércia.
- Motor, seu corno, por acaso alguém aqui é
boi?
MOTORISTA (grunhindo baixinho) – só pode.
- O que você disse?
- Ih, vamos parar com essa avacalhação que
eu tô querendo chegar ao serviço sem dor de cabeça, ficam essas mulas tocando
música alta.
- Avacalhação o cacete.
- É sim, seu merdinha, tem lei contra isso,
tá sabendo? Me deixe chegar até você que você vai ver (vai empurrando os
outros, que trancam).
- Não empurra, não seu cocô.
- Vem, tio, vem, nós vamos te cobrir de
porrada.
- Vocês e quantos mais, seu merdinha?
- Ó, se vocês aí da frente não pararem com
essa frescura ou vou aí, tá bom?
Era um cara enorme, todos pararam um pouco.
Um cuspiu pra fora, o cuspe voltou no cara
de trás.
- Puta merda, você cospe dentro de casa,
seu bosta?
- Cuspo, sim, e daí?
- Não sei como sua mulher te aguenta.
- Melhor do que você, seu coisa ruim.
- Quer chamar pra briga, chama logo, seu
safado.
Nisso um peidou.
- Cê tá podre, meu nego, pode cuidar da
alma que o corpo já era.
Um arrotou pesado, cuspiu uma ostra que
felizmente grudou na janela pelo lado de fora, por sorte não entrou, ficou ali,
enorme e ostensiva, desafiando os passageiros.
Um deu um cascudo no da frente, pensando
que era um amigo, o outro virou e deu-lhe uma só, direto no nariz, e daí para
frente a briga desandou, as câmaras foram quebradas e não se pode ver mais
nada. Foram todos parar na delegacia, seis ainda estão
presos, dois foram para o hospital, um está na UTI e outro foi medicado e foi
para casa.
A experiência não deu certo, os psicólogos
concluíram que de certa forma a presença das mulheres acalma os homens, de
modos que a segregação falhou.
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