No gene Y232A7
os bioquímicos descobriram a fonte da raiva masculina (que nas mulheres opera
pouco) e daí foi um passo para descobrir a vacina efetiva contra todo tipo de
raiva dos homens.
Prontamente e sem
pensar duas vezes os deputados de todo o mundo (eles são psicólogos práticos,
não profissionais, não pensam muito nem consultam os pesquisadores) trataram de
passar leis obrigando todos os homens a tomar a vacina.
Já não havia mais
casos de agressão a mulheres, o que foi uma benção; nem a crianças, o que todos
aplaudiram, até os antigos violentos. Nem a idosos (pelo menos por parte dos
homens). E já que os homens se tornaram uns doces, as mulheres não receavam
impor e superimpor sua autoridade, usando e abusando de suas novas prerrogativas.
O número de filhos diminuiu. O número de empresas agressivas também diminuiu.
As pessoas podiam
furar filas à vontade, com a única oposição branda e educada das mulheres. Não
havia mais exércitos (os pacifistas aplaudiram freneticamente e quiseram
canonizar os bio-cientistas e os farmacologistas responsáveis pelo desenvolvimento
e propagação da vacina sob inúmeros nomes comerciais), pois foram todos
desmobilizados ou eram compostos unicamente de mulheres.
Não havia mais
aqueles bate-bocas nos bares, nem ameadas de morte, puxa vida, que alívio.
Diminuiu a libido, pelo menos aquela parte que vinha da agressividade.
O boxe e outros esportes agressivos
desapareceram, o futebol se tornou um jogo de comadres com muitos “por favor,
você primeiro” e “tenha a bondade de pegar a bola” e “desculpe se te feri,
tá?”. Não havia mais quebra-quebras nos bares, nem desforras em carteiras
escolares, nem muito menos aquelas coisas de americano com gente matando
crianças do alto de e telhados. Disso todo mundo gostou.
Houve alívio no mundo inteiro.
A excitação desceu vários degraus, o stress
abaixou muito, não havia mais muros, tudo isso foi muito bom. Policiais para
quê? As tarefas dos juízes se resumiam a pequenos casos de esbarrões (todos com
muitos pedidos de desculpa), as feiras-livres eram um primor de dignidade e
complacência, o mais leve estremecer da quietude merecendo o repúdio de todos e
cada um.
Os estudos de psicologia reduziram quase a
zero, quem iria estudar as receitas domésticas? Os papos de bar eram pura
mansuetude, as religiões reduziram seu apelo (não havia mais conselhos a dar
visando aquietar os espíritos, todos eles eram quietos
por natureza das vacinas).
As atividades socioeconômicas reduziram
bastante, pois logo de cara metade vinha de cada par polar oposto-complementar,
neste caso tendo sido abolida a raiva.
Tudo
agora era (veja o Houaiss eletrônico) “benevolência,
calma, calmaria, complacência, equilíbrio, fleuma, impassibilidade, mansidão,
pacatez, pacificidade, placidez, resignação, serenidade, sossego, tranquilidade”.
Uma beleza. Nada de filmes agressivos. A resignação aprofundou-se, a desilusão
com o futuro ampliou. A serenidade atingiu picos, os objetivos foram reduzidos
progressivamente, havia cada vez mais gente nos mosteiros e cada vez menos
gente para produzir. Os índices de suicídio ampliaram fenomenalmente.
Alguns pararam para pensar que planejar
a humanidade não era fácil, mexer em qualquer polo era complicado.
Era preciso pensar muito.
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