Wednesday, June 19, 2013

Filme de Época (da série Conto Tudo Novo)


Sem nada para fazer João entrou num cinema onde anunciavam filmes sobre a história de Portugal. Ele nunca tinha visto nenhum, nem sabia que existiam, porém não estava fazendo nada, foi, depois agradeceu ir logo ao primeiro, mês inteiro sem repetir nenhum.
Começaram logo fundo, mais de um milhão de anos, com a ocupação pelos hominídeos da Península Ibérica.
“Que é que isso, minha gente”, que droga, mostravam o tempo todo uma caverna com uma gente pequena e famélica, duas horas de filme sequencial, mas o interessante é que mostravam de vários pontos de vista, muito bem bolado, espantoso! Ele foi ficando entusiasmado. Assistiu até o fim, depois de logo no começo ter pensado em deixar pra lá. Quanto mais iam passando os minutos, mais ele ia gostando. Onde é que eles arranjaram tantos detalhes? Os artistas que fizeram o filme nem eram anões, nem gente alta, era meio termo e muito convincente, quando duas tribos brigaram naquele dia parecia que todos se matavam uns aos outros, parecia bem real, mesmo.
No outro dia ele voltou, convenceu o Manoel a ir também. De início Manel estava ressabiado, mas depois que entrou ficou de queixo caído. Agora abordaram os cro-magnon do 40º milênio e estes já se vestiam melhor, mas eram bem feios, além de sujos, dentes podres, viviam numa dificuldade danada, é complicado saber como sobreviveram, não tinham sabonete, nem pasta de dentes, não tomavam banho, estavam cheios de vermes e piolhos, que uns catavam dos outros. As mulheres até que eram mais limpas, mas os homens, francamente! E mostravam tudo, diretamente, sem esconder nada. Onde acharam esses atores? Rapaz, que autenticidade.
Dia seguinte vieram mais dois, o Roberto e a Alece (não é Alice, pai e mãe hoje querem ser diferentes, não vale nem a pena perguntar de onde veio essa esquisitice). Agora deram um salto até o ano mil antes de Cristo, com as chegada dos celtici, os celtas, que lá vinham numas carroças completamente ridículas, uns homens barbudos superesquisitos, sujos pra caramba. Que melequeira. E, depois, não colocavam nenhuns atores e atrizes bonitinhos, nada disso, não sei onde foram achar atores feios assim, barrigudos, sebentos, vestindo trapos – vai ser autêntico assim na puta que o pariu!
O quarto dia veio mais gente, a notícia estava se espalhando. Este foi sobre a chegada dos gregos que se tornaram os galegos.
Aí, no quinto dia, foi a vez dos romanos lá por 200 a.C. Quem esperava um monte de gente a cavalo caiu do cavalo, porque poucos vinham assim; a maioria, 90 ou 95 %, vinha mesmo a pé e andar aquelas distâncias devia ser terrível. Aquilo de mostrar as legiões romanas arrumadinhas, nesse filme não apareceu, hum, hum, de modo nenhum, foi tudo aos trancos e barrancos. Se no primeiro filme o João bobeou e pegou só menos da metade com a câmera do celular e assim mesmo tremendo a mão, nos seguintes ele foi se aparelhando melhor, até conseguir filmadora profissional, aparentemente o dono do cinema não se importava. Olha, vou te contar, o João foi acumulando os filmes. Tá, que era chato ficar vendo aquela coluna romana se mexendo lentamente, mas também havia as coisas engraçadas, quando os soldados se estapeavam ou tropeçavam com aquele peso enorme, poxa, foi risível.
No sexto dia João estava empolgado. Os amigos foram falando com outros, vinha um ou outro historiador espantado que não encontrava nada errado nas películas: começaram a reparar que era até mais persuasivo que os livros de história, trataram eles mesmo de filmar. Ô, meu, o troço era bom mesmo, que detalhes de arrepiar. Este mostrava César. Onde foram achar sujeito tão ridículo para representá-lo! Era de rirK há, há, há – a plateia gargalhava vendo as bobeiras de César, o “cabeleira” careca. Como podem esse otários colocar um cabra assim para fazer o papel de “César”? E além de tudo César nunca estivera em Portugal.
Aí houve um episódio sobre os primeiros dias do cristianismo em solo português, foi emocionante.
E assim foi indo.
Três episódios foram dedicados à batalha de São Mamede, de que participou Afonso Henriques, e à formação do reino, foi distinto também. Quando os reis e os nobres são mostrados no cinema eles são sempre feitos pelos atores mais bonitinhos, sem barriga, charmosos, mas nesses filmes, não, que estranho.
Teve aquele episódio de Camões no naufrágio nadando com um braço, enquanto com outro ia levando levantados os manuscritos dos Lusíadas, respingando água no papel, ele aflito, foi muito engraçado. Caolho ainda por cima, todo encharcado com aquele mundo de roupas, foi hilário. A plateia se dobrava de tanto rir com as dificuldades do ator. Poxa, eles treinaram muito para parecerem tão naturais. Esses diretores eram os maiorais, sem erros de continuidade nos cortes, sem falhas, absolutamente perfeitos.
E continuou assim. Juntava gente na porta, mas o porteiro era rigoroso: só entrava um se saísse outro. A questão é que ninguém queria sair, nem na porrada. No outro dia formavam-se filhas, só que os cinco primeiros, não sei por qual favor, sempre eram admitidos. A pancadaria corria solta lá fora.
Passou o mês, chegou a Revolução dos Cravos e a entrada de Portugal na Comunidade Europeia. No 30º dia metade do filme foi sobre os tempos mais recentes e metade parecia o futuro, mas a máquina quebrou logo no comecinho dessa metade e não houve conserto.
Terminou assim, sem mais nem menos.
Que coisa!
Em retrospectiva João foi vendo os filmes e ficando cada vez mais estarrecido...

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