Sem nada para fazer João entrou num cinema
onde anunciavam filmes sobre a história de Portugal. Ele nunca tinha visto
nenhum, nem sabia que existiam, porém não estava fazendo nada, foi, depois
agradeceu ir logo ao primeiro, mês inteiro sem repetir nenhum.
Começaram logo fundo, mais de um milhão de
anos, com a ocupação pelos hominídeos da Península Ibérica.
“Que é que isso, minha gente”, que droga,
mostravam o tempo todo uma caverna com uma gente pequena e famélica, duas horas
de filme sequencial, mas o interessante é que mostravam de vários pontos de
vista, muito bem bolado, espantoso! Ele foi ficando entusiasmado. Assistiu até
o fim, depois de logo no começo ter pensado em deixar pra lá. Quanto mais iam
passando os minutos, mais ele ia gostando. Onde é que eles arranjaram tantos
detalhes? Os artistas que fizeram o filme nem eram anões, nem gente alta, era
meio termo e muito convincente, quando duas tribos brigaram naquele dia parecia
que todos se matavam uns aos outros, parecia bem real, mesmo.
No outro dia ele voltou, convenceu o Manoel
a ir também. De início Manel estava ressabiado, mas depois que entrou ficou de
queixo caído. Agora abordaram os cro-magnon do 40º milênio e estes já se vestiam
melhor, mas eram bem feios, além de sujos, dentes podres, viviam numa
dificuldade danada, é complicado saber como sobreviveram, não tinham sabonete,
nem pasta de dentes, não tomavam banho, estavam cheios de vermes e piolhos, que
uns catavam dos outros. As mulheres até que eram mais limpas, mas os homens,
francamente! E mostravam tudo, diretamente, sem esconder nada. Onde acharam
esses atores? Rapaz, que autenticidade.
Dia seguinte vieram mais dois, o Roberto e
a Alece (não é Alice, pai e mãe hoje querem ser diferentes, não vale nem a pena
perguntar de onde veio essa esquisitice). Agora deram um salto até o ano mil
antes de Cristo, com as chegada dos celtici, os celtas, que lá vinham numas
carroças completamente ridículas, uns homens barbudos superesquisitos, sujos
pra caramba. Que melequeira. E, depois, não colocavam nenhuns atores e atrizes
bonitinhos, nada disso, não sei onde foram achar atores feios assim,
barrigudos, sebentos, vestindo trapos – vai ser autêntico assim na puta que o
pariu!
O quarto dia veio mais gente, a notícia
estava se espalhando. Este foi sobre a chegada dos gregos que se tornaram os
galegos.
Aí, no quinto dia, foi a vez dos romanos lá
por 200 a.C. Quem esperava um monte de gente a cavalo caiu do cavalo, porque poucos
vinham assim; a maioria, 90 ou 95 %, vinha mesmo a pé e andar aquelas
distâncias devia ser terrível. Aquilo de mostrar as legiões romanas
arrumadinhas, nesse filme não apareceu, hum, hum, de modo nenhum, foi tudo aos
trancos e barrancos. Se no primeiro filme o João bobeou e pegou só menos da
metade com a câmera do celular e assim mesmo tremendo a mão, nos seguintes ele
foi se aparelhando melhor, até conseguir filmadora profissional, aparentemente
o dono do cinema não se importava. Olha, vou te contar, o João foi acumulando
os filmes. Tá, que era chato ficar vendo aquela coluna romana se mexendo
lentamente, mas também havia as coisas engraçadas, quando os soldados se
estapeavam ou tropeçavam com aquele peso enorme, poxa, foi risível.
No sexto dia João estava empolgado. Os
amigos foram falando com outros, vinha um ou outro historiador espantado que
não encontrava nada errado nas películas: começaram a reparar que era até mais
persuasivo que os livros de história, trataram eles mesmo de filmar. Ô, meu, o
troço era bom mesmo, que detalhes de arrepiar. Este mostrava César. Onde foram
achar sujeito tão ridículo para representá-lo! Era de rirK há, há, há – a
plateia gargalhava vendo as bobeiras de César, o “cabeleira” careca. Como podem
esse otários colocar um cabra assim para fazer o papel de “César”? E além de
tudo César nunca estivera em Portugal.
Aí houve um episódio sobre os primeiros
dias do cristianismo em solo português, foi emocionante.
E assim foi indo.
Três episódios foram dedicados à batalha de
São Mamede, de que participou Afonso Henriques, e à formação do reino, foi
distinto também. Quando os reis e os nobres são mostrados no cinema eles são
sempre feitos pelos atores mais bonitinhos, sem barriga, charmosos, mas nesses
filmes, não, que estranho.
Teve aquele episódio de Camões no naufrágio
nadando com um braço, enquanto com outro ia levando levantados os manuscritos
dos Lusíadas, respingando água no papel, ele aflito, foi
muito engraçado. Caolho ainda por cima, todo encharcado com aquele mundo de
roupas, foi hilário. A plateia se dobrava de tanto rir com as dificuldades do
ator. Poxa, eles treinaram muito para parecerem tão naturais. Esses diretores
eram os maiorais, sem erros de continuidade nos cortes, sem falhas,
absolutamente perfeitos.
E continuou assim. Juntava gente na porta,
mas o porteiro era rigoroso: só entrava um se saísse outro. A questão é que
ninguém queria sair, nem na porrada. No outro dia formavam-se filhas, só que os
cinco primeiros, não sei por qual favor, sempre eram admitidos. A pancadaria
corria solta lá fora.
Passou o mês, chegou a Revolução dos Cravos
e a entrada de Portugal na Comunidade Europeia. No 30º dia metade do filme foi
sobre os tempos mais recentes e metade parecia o futuro, mas a máquina quebrou
logo no comecinho dessa metade e não houve conserto.
Terminou assim, sem mais nem menos.
Que coisa!
Em retrospectiva João foi vendo os filmes e
ficando cada vez mais estarrecido...
No comments:
Post a Comment