Assim, sem mais nem menos, aconteceu
de Samira deparar com essa fórmula. Na realidade, não foi totalmente ao acaso
porque havia preparação tecnocientífica, ela era doutora longamente treinada:
nesses casos de visão ampliada, vê-se muitos mais coisas em muito mais
oportunidades. Serendipitia, nome difícil para falar de acaso e necessidade,
fome e vontade de comer, sorte e atenção.
Por acaso ela manipulou o gel e dias
depois começou a se sentir bem demais. Todas as suas dorzinhas daqui e dali que
começam a aparecer aos 40 e aos 50 se instalaram em definitivo foram sumindo
aos poucos, ela começou a reparar, e meses depois foi como se tivesse de novo
20 anos e poucos e não 50 e poucos.
Primeiro ficou espantada, depois
eufórica.
Deu um jeito de colocar no leite do
namorado: a mesma coisa, ele começou a melhorar, a artrite foi sumindo, os
cabelos pararam de cair e voltaram a nascer pretos, eles conversaram, decidiram
dizer que ele tinha começado a pintar o cabelo depois do implante.
Ela fez uma vitamina de banana que
sabia que a amiga com cefaléia crônica gostava de tomar. Não só curou a dor de
cabeça de décadas como também todas as demais dores, a amiga achou que era
milagre, ela não falou nada, não antes de patentear.
Patenteou: Vidanova.
Era, literalmente.
Ela começou a imaginar no mecanismo
bioquímico responsável pelos efeitos, foi se aprofundando, aprendeu muito sobre
equilíbrio hormonal, mas não pôde ir até o fim porque a fabricação em série
depois que saiu da empresa começou a tomar o seu tempo. Fez sociedade com o
agora noivo, breve o marido: 1 % já era muito. Amor, amor, negócios à parte.
Pegaram capital, os bancos ficaram ansiosos.
Colocaram nomes insossos como
subtítulo: defesa hormonal, equilíbrio homeostático, regularização sistêmica.
Dizia a verdade, mas era ao mesmo tempo vago.
As pessoas começaram a comprar
pensando que servia para uma coisa e iam melhorando de tudo. De tudo, mesmo. E
se lançavam à propaganda de boca. Claro, se um remédio melhora a doença,
ninguém precisa tomar outro remédio, OUTROS remédios, TODOS os remédios. As
pessoas pararam de comprar os outros remédios, dezenas de milhares de fórmulas.
De início eram poucos a tomar Vidanova, depois foram muitos e o número foi
crescendo.
As empresas farmacêuticas,
acreditando que aquilo não iria durar, que rapidamente o Vidanova iria mostrar
seus defeitos, não se preocuparam; os meses passaram e dentro de um ano o rombo
era enorme. Fábricas fechavam por toda parte, havia desemprego crescente no
setor, diretamente, relativo a fabricação de caixas, de tintas, de
planejamento, de propaganda. Transportes, estocagem e foi em frente, derrubando
dominó por dominó.
As empresas tentaram comprar a
empresa Vidanova (que não tinha se diversificado), mas Samira e o marido foram
inflexíveis, pensando não somente nos lucros como também na felicidade das
pessoas, pois a compradora poderia desativar o produto, bem como falsificá-lo
para lhe trazer má fama. Mil coisas poderiam fazer. O dinheiro entrava aos
borbotões: bastava uma dose mensal e tudo corria às mil maravilhas.
Do Brasil a empresa Vidanova se
espalhou pelo mundo, não havia fronteiras, todos os países queriam comprá-lo,
os governantes tanto quanto os governados. Vidanova não fazia distinção de cor,
de sexo, de idade, de classe social: curava a todos.
As empresas entraram em pânico.
O pânico não é bom conselheiro.
Milhares ficaram desempregados,
centenas de milhares, milhões.
Vidanova não curava só o corpo, de
repente começou a curar as doenças mentais, as pessoas se sentiam “numa ótima”,
“numa nice”. Desapareceu a compulsão de mentir e enganar. A sonegação
reduziu-se a zero, todos pagavam corretamente os impostos, os cofres dos
governos começaram a encher, uma nova harmonia reinou, os governos ficaram
satisfeitos. Os governados também, porque indo embora o “caixa dois” sonegador
das empresas com isso os desvios de verba também desapareceram e obras
maravilhosas passaram a ser feitas, ainda mais porque as empresas faziam toda
questão de colocar os melhores materiais e de zelar pelo cumprimentos dos
prazos, ajudavam na medição correta das obras, entregavam verdadeiras obras
primas.
Bom, se não há sonegação, para quê
fiscais? Os fiscais foram encostados, não havia mais concursos. Se não há
conflitos, para quê juízes, promotores, advogados, ministério público? Para quê
legisladores, se as pessoas desejavam fazer as coisas certas e não precisavam
de leis para isso? Lá se foram todos esses do Judiciário e do Legislativo. O
Executivo precisava de pouca gente.
E ademais, para quê forças armadas,
se ninguém mais desejava fazer guerra? Ninguém queria matar e os alistamentos
caíram a perto de zero, no máximo os soldados da ONU cuidavam da defesa civil,
com grande número de voluntários, pois todos se ofereciam para ajudar.
Quase todos.
Uns dentre os empresários fizeram
uma reunião para ver como matar a Samira e destruir o Vidanova...
NOTA:
de modo nenhum prego a continuação da baderna atual, pelo contrário, Vidanova é
extremamente necessário a todos nós.
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