Argeu colocou uma loja como quem coloca uma igreja
protestante, visando a melhoria de vida.
Chamava-se O Martelinho de Vidro, quem
entrava comprava (Ganhar? Eu, hem?) um livro de autoajuda (ajudava a ele) que
recebeu apropriadamente o mesmo nome, tudo fácil de lembrar, O
Martelinho de Vidro. A ideia não era usar o martelinho, pois era de
vidro, como o próprio nome diz: visava a autocontenção da pessoa. SE ela usasse
o martelinho no dia a dia muito cruel do Brasil, perdia pontos, eram vigiados
pelos “vigilantes de vidro”, todos muito transparentes, como os “vigilantes do
peso” – a pessoa perdia pontos se quebrasse o martelinho na cabeça de alguém.
Pior ainda se enfiasse o cabo na barriga ou no olho desse alguém muito atrevido
e safado.
Voltava a zero. Era difícil progredir, como
no Brasil já era mesmo, pouca diferença a pessoa sentia, já estava acostumada,
eram muitos os percalços.
Os princípios eram os mesmos da maçonaria,
onde recebiam o martelo do auto-aprimoramento (no MV era alto-aprimoramento) e
um cubo de vidro todo rombo (nem adiantava dizer que se era rombo não era
regular, não era geométrico, portanto não era cubo – o que valia era a
“intenção pedagógica”, todo mundo que estava por dentro entendia e quem estava
por fora, bem, estava por fora).
O Martelinho de Ouro livro foi vendido aos
milhões, como Paulo Coelho, você lia e não guardava uma palavra, mas era leve,
dava tranquilidade, porque você pensava que entendia, já que não havia nada
para entender. As pessoas ficaram muito felizes, pois se sentiam superiores ao
finalmente entenderem nem que seja um livro: ERA POSSÍVEL LÊ-LO, o que não se
pode dizer desses filósofos abstrusos, inutilmente complexos, vá de retro, satanás,
esconjuro, praga dos infernos, nunca vou ler uma coisa dessas. E se souber que
algum amigo leu vou dar porrada.
A loja se espalhou pelo mundo, havia muitas
cabeças precisando de martelo, a adesão foi maciça e começou a chover dinheiro,
as pessoas trabalhavam duro e, entendendo os motivos acumuladores de Argeu em
prol do bem de todos que eram seus amigos, doavam o que tinham e o que não
tinham, no máximo 10 % para fazer jus à palavra dízimo. É claro que para ter
direito a isenção total Argeu transformou a loja em culto e igreja, recebendo
todos os benefícios da lei, inclusive isenção de IPVA.
Foi uma febre sem remédio. Transformou-se
em movimento (porque a sigla era MV), virou partido político, não tinha mais
responsabilidade nenhuma com a vontade da população. Sempre havia público para
os desatinos mais elegantes. Argeu instituiu graus (para os prosélitos:
aprendiz, companheiro e mestre), inclusive os “graus 33” e até mais altos, pois
a vodka vai de 35 a 60 %, mas isso era só para os íntimos, para os quais,
diga-se de passagem secreta, era tudo uma festa. Ai, ai, foi tão bom. Não sei
por que a polícia se meteu.
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