Imitando ou parodiando a família Carlos, Truman
“vinha no seu carro quando viu pela frente, na beira da calçada um muro
saliente”: bateu no meio fio e na velocidade que vinha a frenagem súbita fez o
carro capotar de cabeça contra o muro, derrubando-o, passando para o outro lado
e caindo sobre o teto.
Tinha, sim, tinha airbag, mas sendo saco de
ar, furou e Truman quase passou desta para melhor; embora não tenha ido para o
Céu foi como se fosse, porque depois do hospital foi se recuperar na região de
montanhas do ES, terceiro melhor clima do mundo.
Mas isso foi depois.
Pois Truman passou sete meses em coma.
Acontece que Truman era espião, duplo ainda
por cima. Ambos os lados o usavam para passar certas mensagens, algumas verdadeiras
e inofensivas, outras preparadas para confundir. E ambos suspeitavam que Truman
além de servir à esquerda e à direita servia ao misterioso Centro: era como uma
cruz, ele estendia um braço à esquerda e outro à direita, mas a maior parte
ficava no centro. E ele tinha os pés no chão, não fazia bobagens, não se
entregava.
No coma de Truman o governo daqui viu
oportunidade única: se ele acordasse com amnésia (foi o que se deu) poderia
bolar um esquema de extração dessas memórias profundas sem que ele se desse
conta.
Conforme o plano foi se desenrolando, o
governo montou uma cidade pequena às pressas e, como se diz, “ficou no
aguardo”. Sete meses de coma com três de recuperação, Truman foi conduzido à
“sua casa”, à “sua mulher”, ao “seu trabalho”, tudo falso.
De início Truman ainda estava meio tonto,
mas foram se passando os meses e ele começou a reparar que chegavam muitos
caminhões para lares que supostamente já deveriam existir há anos; e as pessoas
compravam muita miudeza. E sua esposa tinha uns escorregões psicológicos
difíceis de aceitar. Aquilo foi encucando Truman. Claro, os agentes do governo
foram pegando uma coisa e outra na medida em que ele se recuperava, aquelas
coisas do Centro.
Truman ficava cada vez mais arredio.
Ficava cismando, ruminava.
Um gesto aqui, outro acolá, uma palavra
fora do contexto, Truman (as pessoas brincavam com ele, True-man, homem
verdadeiro, logo ele que era espião, mas o nome mesmo viera do presidente
americano) aglomerava sua vida antiga. Truman meditava. Aconteciam certas repetições. Treinado como espião pelos dois lados
para observar detalhes, Truman duvidava. Os padrões foram se sobrepondo, ele
foi se convencendo que estava dentro de uma armadilha, que uma realidade fora
dali o manipulava, até que tomou coragem e foi embora, pulou fora do círculo.
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