Reginaldo colocou um pneu que fazia um
barulhinho enjoado, um grilo que ficava perturbando, um chiado esquisito. Na
semana seguinte já parecia um assovio, na outra era vagamente assemelhando a
flauta, ele desistiu de ir reclamar com o vendedor, no fim do primeiro mês tava
cantando musiquinhas curtas, depois de seis meses já sabia cantar o hino
nacional e daí para frente foi só sucesso, ele colocava o pessoal para rodar
junto, 15 pau a viagem, cada um saía mais abestalhado que o outro, sucesso
total.
Ele foi parar na Rede Lobo, no programa do
Saulstão, seção Se Vira nas Tintas, o pessoal aplaudiu de pé, quis bis, era só
propaganda, ele recusou, era para se projetar e ao pneu cantante.
Por quê a surpresa? Não tem “espada
cantante”? Se uma espada pode cantar, por quê um pneu não pode? Que preconceito
é esse? Depois, não há Triângulo de Bermudas? Se Triângulo pode usar bermudas
por quê Pneu não pode cantar? É só ter a voz afinada, tendo tido ou não aulas
de canto, só não pode canto orfeônico, aí é chato demais, até pode canto
gregoriano, tá legal. Pneu dizia: “eu canto samba”, gosto dele. E, como disse
minha filha, se pode Triângulo de Bermudas por quê não pode Ilha de Boné (bon
air)? É a constituição, meu caro, se pode para um pode para todos, se não pode
para um não pode para ninguém. Que preconceito é esse? Se pode Ilha de Boné por
quê não pode Pneu Cantante?
Enfim, ele venceu os preconceitos contra os
Pneus que cantavam (e o seu Pneu, Sr. Pneu ou Mr. Pneu, como era conhecido
internacionalmente, era muito bom, muito melhor que muito cantor que tinha por
aí, principalmente essas coisas de funk). Desafinar ele não desafinava, você já
viu algum Pneu desafinar? Pelo contrário, era afinadíssimo, passou até a cantar
música clássica e fazia sucesso, isso num país que não valoriza o apuro, nem o
dos profissionais, nem o dos maestros compositores.
Para resumir, o Reginaldo ficou abonado.
Rico não era, mas muito remediado, ficou famoso. Quiseram até lhe dar carro
novo, mas o Pneu não se encaixava no esquema das coisas. Foi passando o tempo,
o carro deu defeito. Ele levou o carro na oficina, quando voltou para buscar
notou algo estranho, cadê o Pneu, já o tinha como velho amigo.
- Cadê o Pneu?
- Troquei.
- O QUÊ?
- Ele estava muito velho, troquei.
- TROCOU? SUA BESTA. Quero ele de volta.
- Não ofende. Além de tudo, joguei no monte
de pneus velhos, ele foi picotado.
Reginaldo chorou muito, pranteou demais o
velho amigo. Ficou semanas desconsolado. O dono da oficina vendeu Pneu para uma
multinacional por 800 mil dólares. No Brasil as pessoas acreditam em tudo.
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