- Como tá seu álbum?
- Lotado. Repleto. Não perco uma.
- Pra você é fácil.
- Pra você não deveria ser difícil.
- Certo. Pego na mão toda noite ou
até de dia, mas elas escapam, se esquecem de mim. Já com você não tem jeito, no
final você sempre pega, mais cedo ou mais tarde.
- Sonho, você pega quantidade,
muitos todo dia, não consegue segurar quase nenhum. Eu espero uma vida inteira,
mas sempre pego. Às vezes um ano só, ou menos, às vezes 100 ou mais – Niemeyer
tá demorando, mas uma hora pego ele. Como o Roberto foi uma luta. Poucos
escapam mesmo.
- Jesus...
- É.
- Buda você pegou, mas ele foi para
outro lugar. E os vampiros?
- Tudo charme, demora um pouco mais,
mas contratei um pessoal barra pesada, os Van Helsing estão comigo há bastante
tempo.
- Sem falar que você pega uns quando
estão comigo.
- Fazer o quê, né? Morrem enquanto
estão dormindo.
- Morte, não sei como você não se
cansa.
- É divertido: eles se escondem
atrás da beleza, da fama, do poder, da riqueza, da religião, não tem jeito,
pego todos.
- E aquele que Jesus disse que
ficaria?
- Ele disse que ficaria, não que não
morreria, então um dia pego a foto dele também.
- Você não consegue ficar com eles?
Só com a foto?
- Só com a foto, eles vão pra outro
lugar.
- Apesar de tudo tenho desenhos
formidáveis, sonhos fantásticos, psicodélicos, uns doidos demais.
- E a seção de “sonhos de decência”
e “sonhando com a felicidade alheia”?
- Quase vazia, pouca gente. Tem
poucos nos “sonhos de decência” porque a Decência não faz a tarefa com gosto,
não doutrina: onde encontrar gente decente hoje em dia? O Álbum dela tá quase
vazio, um ou outro, um santo aqui, outro ali, um mártir, poucos, pouquíssimos.
- Em compensação o álbum da
Intolerância tá cheio, né?
- Agora você falou tudo.
- Queria poder ficar conversando
mais com você, mas o trabalho está pesado, só este ano mais de 60 milhões de
fotos para tirar.
- Não sei como você aguenta.
- Prática, antiguidade na profissão,
persistência, compromisso com o trabalho.
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