A Beleza era
empregada na casa do doutor Mário.
Era tudo de bom.
Educadíssima,
finíssima, limpíssima, de uma nobreza a toda prova.
Era negra.
Fazia todos os
trabalhos da casa, ganhava super-bem frente a essas porcarias que se paga por
aí e por ser quem era tinha várias regalias. Era mais do que da família, o povo
todo a amava, tanto o doutor quando dona Selma, os filhos, os vizinhos, os
entregadores, todos quanto a conheciam, até as crianças dos vizinhos quando as
crianças as traziam, porque ela era puro desvelo.
Contudo, a Beleza
não punha mesa.
Não tinha nada que
a fizesse colocar os pratos e os alimentos na mesa, dona Selma é que tinha de
fazê-lo, junto com as crianças ou os visitantes.
Não tinha como
fazê-la pôr mesa.
O doutor Mário
argumentava:
- Mas, Beleza, e se
você fosse minha patroa, eu não teria de colocar a mesa? Ou se qualquer um
fosse seu empregado?
Não adiantava.
Tinha havido (ainda
há, em alguma medida) escravidão no Brasil, um dos últimos países a aboli-la
(na Arábia Saudita houve servidão até a década dos 1960), parecia que ela
estava se sujeitando, sei lá, ela não queria lembrar nem de longe do estado
servil, de um ser humano submetendo-se a outro, é vergonhoso mesmo.
Nada a convencia.
Pessoa após pessoa
achava que podia vencê-la com tal ou qual argumento, tudo baldado.
Que importava?
Se a Beleza não punha
mesa, ela fazia muitas coisas boas, maravilhosas, de longe muito melhores que
as de outros.
E todo mundo
raciocinava: que importa se a Beleza não põe mesa? Ela tem inúmeras utilidades.
Que seria de nós sem a Beleza? A Beleza nos alegra, nos traz felicidade, nos
ilumina.
E cada qual
procurava fazer o que a Beleza não fazia.