Monday, June 10, 2013

Os Lixeiros de Deus (da série Tudo Conto)


NOTA
Não acredito em nada disso, o conto é apenas para repor alguma lógica na ficção, onde não há qualquer explicação.



- Sim, senhor Liat?
- Professor, agora que nós morremos, quando tempo se passará até que tenhamos nossos poderes?
- Você acha pouco ter acordado da morte?
- Não se trata disso, mestre, quero dizer os outros...
- Bem, depende de aprendizado, ou vocês vão tentar usá-los a torto e a direito e vão acontecer as coisas mais estranhas. Aliás, com relação às suas mortes, suas mães verdadeiras e seus pais presumidos estão chorando nos túmulos, sobre os filhos e filhas, que morreram uns de choque de veículos, outros de veneno, outros de tiros e outros ainda de diversos modos; é bom se lembrarem deles e delas com reverência. Ainda lembro dos meus, mesmo passados 400 anos.
- Professor, quantos somos?
- Senhorita Din, são só os desta sala. Não são incorporados muitos porque, como pode imaginar, morrem poucos definitivamente, porque a recuperação mesmo sob condições extremas é notável. A cada 200 anos uns poucos. Nossos pais vampiros devem copular com as mães humanas. As vampiras nunca são mães, porque os fetos seriam rejeitados como corpos ofensores e mortos no útero. Pode falar, senhor Tamiz.
- Professor Kot, porque não podemos conservar nossos nomes?
- Bem, Tamiz, seria estranho você ser reconhecido na rua se fosse chamado de Carlos e se virasse, deparando com sua irmãzinha – uma bela confusão, vocês não acham?
- Mestre, meu nome é Tamato.
- Sei disso, senhor Tamato, fui eu que escolhi cuidadosamente cada nome, depois de muito meditar.
- Pois bem, mestre, isso que a gente via no cinema antes de morrer, sobre os vampiros, é verdadeiro?
- Tudo é aumentado ou reduzido. Com relação ao alho, ele é um anti-séptico natural, é usado pelos pobres, pode nos intoxicar, atacar nosso sangue, danificar o ADRN, causar problemas, mas não são graves. Os ricos de antigamente usavam própolis, porém qualquer anti-séptico serve, fique longe deles. Anticoagulantes também são daninhos. Há uma quantidade crescente de venenos hoje em dia.
- E as estacas?
- Senhorita Amae, aqui a questão é diferente: ao entrar em nossos corações a seiva das árvores e remetida TÃO RÁPIDO por eles a todo o corpo que acabamos por replicar o ADRN dela. Evidentemente tem de ser árvore recém-morta, a estaca tem de ter sido recentemente moldada de galho cortado. Se não houver seiva não serve. Nossos corpos não viram pó, como é mostrado, eles se enraízam e produzem uma árvore, há muitas espalhadas pelo mundo.
- Professor, e a luz do Sol?
- Senhorita Dara, durante o dia os neutrinos não passam por nós sem nos afetar, pelo contrário, foi o jeito de Nosso Senhor nos manter fora das ruas DE DIA; de noite os neutrinos atravessam a Terra e nos atingem, contudo não interferem em nossos corpos. É qualquer interação com o calor e a luz, nem nós nem os pesquisadores humanos conseguiram qualquer solução. - Sim, Dinair.
- Mestre, e os lobisomens?
- Bem, quando o Primeiro nasceu da morte uns 200 mil anos atrás (ele não contava os anos, não havia motivo para isso), logo depois dos inventores da linguagem, os neandertais, houve uma proliferação contínua de gente que nunca morria e podia tomar as mais diferentes formas, o que de fato foi feito muitos milênios depois, já dentro da urbanização, e os nossos irmãos de então saíram passeando pelo mundo com sua liberdade recém-inaugurada. Foi aquele horror mitológico que você conhecem de sua formação pré-morte, toda aquela bicharada dos tempos antigos dos gregos e de outros povos. Naquela época, muito depois dos Primeiros, surgiu a nova espécie derivada de nós mesmos: são nossos predadores. Não são transformados pelo nosso sangue, não morrem de nossas mordidas, são invioláveis por nós, exceto nas mais extremas condições. Em compensação só despertam quando nossa espécie “sai dos trilhos”, por assim dizer, quando alguns de nós enlouquecem. Podem ficar adormecidos durante séculos e até milênios: apenas acontece de alguns humanos terem os genes e se transformarem com a combinação de nossos excessos e lua cheia. Quando são cometidos excessos e há lua cheia, a luz dela dispara na retina o mecanismo formador: quando os irmãos malignos são mortos eles desaparecem também.
- Professor, e as transformações?
- Senhor Liat, por enquanto, taxativamente, não, você não possuem controle mental para imaginar as criaturas e aumentar e reduzir os ossos nas proporções corretas. Para dizer logo, os produtos iniciais não são bonitos. Você pensaria poder fazer um morcego ou isso e aquilo e as formas resultantes seriam horrendas. NÃO, definitivamente não. Anos, até décadas transcorrerão. Não pensem que nossas vidas são isentas de perigo. Viver de noite, evitar os lobisomens, os produtos sanitários conhecidos e desconhecidos e os humanos que nos perseguem... tudo isso leva tempo para ensinar.
- Mestre, qual o objetivo de nossas existências?
- Senhor Damiore, essa foi a pergunta mais importante. Nós somos os lixeiros de Deus, limpamos o mundo das criaturas verdadeiramente malignas, que causariam danos insanáveis ao mundo. Muito à esquerda ou muito à direita e nós colocamos um bloqueio. Hitler, um que alguém deixou ir por piedade quando era um jovenzinho. Muitos, muitos exemplos. Se não fazemos da primeira vez, não podemos mais fazer, a pessoa se torna inviolável, para que vejamos pelo exemplo o que acontece quando fraquejamos. Você acompanhavam as estatísticas de desaparecimentos humanos? Pois é! E há os casos mais incríveis, pessoas que parecem santinhas e são seres horríveis.
- E quanto a voar?
- Senhor Pinachi, nós não “voamos”, como aviões também não voam, são impulsionados como flechas por seus motores. Quanto a nós, nossos corpos deixaram de ser humanos, passaram a ser etéreos e navegamos nos mares gravinerciais impulsionados por forças que não advém da física das asas. Pássaros voam, eles batem asas. Nós não voamos, não mexemos asas para cima e para baixo – deslocamo-nos, e a física desse deslocamento, como tudo a nosso respeito, é complexa.
- E passar através de paredes?
- Também não fazemos isso, nos desmaterializamos de um lado e nos materializamos do outro. Nossos “átomos” não passam através das redes cristalinas da parede, eles saltam de um lado para outro. Nós não somos seres da Natureza, Pinachi, somos de Deus; não cumprimos as regras naturais, estamos acima delas, só que também não podemos sair dos trilhos. O Primeiro e os Primeiros, mais próximos Dele, não fazem bobagens, mas os filhos dos filhos dos filhos degeneraram por pressão das improbabilidades naturais e de vez em quando temos desastres. Enfim, senhores e senhoras, por hoje a aula acabou. A Grande Lição é esta: se vocês perderem a cabeça está tudo acabado. Literalmente. Porisso prestem atenção quando nos filmes os humanos cortam nossas cabeças. Os filmes são feitos pelos degenerados que devemos extirpar, mas mesmo assim comportam certa dose de verdade instrutiva. É melhor vê-los do que não vê-los. E, depois de tudo, podemos rir à bessa. Se eles soubessem a verdade...

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