Nicanor recebeu pelos correios
encomenda que, quando aberta, era uma caixa de 12 cm de comprimento por 8 de
largura por 4 de altura, uma estranha série matemática. Muito perfeitinha,
lindinha mesmo, uma pérola.
Não estava aparafusada, não tinha
dobradiça, não estava colada, era encaixada dos lados e embaixo e tinha uma
tampa que se encaixava perfeitamente. Encaixava perfeitamente é apelido, era muita
perfeição, tinha sido muito bem feita.
Dentro havia um bonequinho de pano, caprichosamente
construído.
Tanto a caixa quando o boneco tinham
uma dessas etiquetas, como marca de camisa ou de calça ou do que seja
confeccionado, junção de um V com uma bola acima e um A com uma bola em baixo,
AV, escrito logo abaixo Arte Vodu. Artístico, sem dúvida alguma, de elevada
beleza.
Vodu, claro, Nicanor sabia o que
era.
E o bonequinho tinha não um retrato,
mas um desenho primoroso dele, Nicanor. Espetados em diversas partes do corpo
estavam vários pequenos alfinetes, bem curtinhos, com cabeças de várias cores:
um no que seria o pulso direito, com o número 1 bem miudinho, mas visível.
Outro na perna esquerda com o número 2. Um no meio das nádegas com o número 3.
Um na cabeça com o número 4. E o quinto, pasme, no coração, número 5.
- Isso é um absurdo – disse Nicanor.
Mas, pelo sim e pelo não,
imediatamente ligou para o Nestor, delegado seu amigo.
- Não podemos fazer nada Nicanor,
porque oficialmente a Magia não existe. Os terreiros foram sancionados como
parte dos rituais afro-brasileiros já faz tempo e esse culto, em particular, é
muito bem-quisto por certos políticos bem altos (em off: vou te dizer, quando
digo altos são altos mesmo).
- Porra, Nestor, vou me deixar
intimidar assim?
- Posso dar uma passada por lá, mas
quero te adiantar que vai dar em nada, podes crer.
Dito e feito, não deu em nada mesmo.
Aliás, o Dr. Nestor, advogado e delegado, homem instruído, não acreditava nessas
coisas, mas por via das dúvidas evitou ser rude, pois não é da educação agir
assim, em especial por ser ele homem da lei.
Uma semana depois a mão de Nicanor
dobrou no pulso, endureceu e caiu definitivamente, não quis voltar ao lugar de
jeito nenhum. Não houve doutor que desse jeito e eles consultou cinco, um por
dia.
Na segunda semana a perna de Nicanor
deu um tranco, uma travada legal mesmo e ele ficou semi-paralítico. Nicanor entrou
em pânico. Ele, que não ia há igreja já há 16 anos de repente lembrou-se de
Deus e passou a ir todos os dias, mesmo arrastando a perna e de taxi, pois não
podia mais dirigir. Tirou licença média e conduzia os negócios por telefone e
Internet.
Na terceira semana as hemorróidas
estouraram e com isso Nicanor endoidou de vez. Começou a chorar. Vivia aos
prantos, o que era muito doloroso para todos que o conheciam, porque antes da
chegada do bonequinho Nicanor era homem altivo, orgulhoso, pomposo até.
Empinadinho.
Na quarta semana Nicanor teve um
colapso nervoso agudo e foi internado por dois dias. O cabeção pirou de vez. No
terceiro dia, levado de maca para casa, Nicanor ligou debulhado em lágrimas
para a AV e conversou longamente com o chefe da empresa cujo lema era
Responsabilidade e Responsabilização: Aqui Você Faz e Aqui Você Paga.
Primeiro eles foram visitar Nicanor
para passes de defumação.
Depois Nicanor foi, todo faceiro e
já de cadeira de rodas, à AV.
Ficou lá três dias. Pessoas foram
visitá-lo, conversaram muito, Nicanor pediu sentidas desculpas e voltou pra
casa quase curado.
Nicanor nunca mais foi o mesmo.
Daí pra frente ele tornou-se assíduo
freqüentador da igreja, mas também ira ao terreiro “fazer obra de caridade”.
Toda semana ia visitar a parte ofendida e pedia desculpas “de coração”.
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