Acontecia assim: sem mais nem menos
aparecia na casa do fulano um carro, desciam dele indivíduos muito
bem-apessoados, se apresentavam, conversavam com a família daquele ou daquela
que iria e, hipnotizando-os ou não, todos concordavam que era necessário,
acompanhando-os aquele ou aquela considerado ou considerada muito ruim,
gente-lixo, mulheres e homens que batiam em crianças, homens que batiam em
mulheres, todos que desconsideravam os avôs e as avós, apesar do mandamento
dizer “honrarás pai e mãe”. Os que roubavam, os que entregavam obras de
terceira ou de quarta com dinheiro de primeira.
Deixavam em seu lugar simulacros que
pareciam gente, mas não eram, eram robôs de carne, carneware, porém bem
melhorados, sem aqueles defeitos horrorosos.
Para onde iam aqueles e aquelas?
Será que viravam sabão?
Claro que não, respondiam os
bem-apessoados.
Vão para reciclagem. São almas que
não mereciam estar na Terra e chegando aqui com bons propósitos se desviaram no
caminho e perderam o direito de estarem vivos.
- Vão ser mortos?
- Não, de jeito nenhum, apenas
desaparecerão e suas imagens de vida serão aproveitadas em outros lugares.
- Vão apanhar?, desejavam algumas
crianças vingativas.
- Não, de modo nenhum, não é assim
que i Deus-Natureza age.
- Vão para a prisão?
- Nem pensar, não vão passar nem
mesmo um tempinho na prisão, no purgatório, no sanatório das almas. Ele é
apenas para os que são passíveis de alcançar o Céu.
- Vão para o inferno?
- Não, já estavam no inferno dentro
de suas memórias. Vão ser dissolvidos, não-absorvidos.
E lá iam os bem-apessoados fazer a
coleta.
A gente-lixo, uma vez parado o carro
na frente da casa, não podia fugir, suas pernas se lhe desobedeciam. Ficavam
incapazes de ir a qualquer lugar, de fugir, de tentar escafeder. Diante de seus
olhos passavam os atos de covardia.
A gente-lixo tentava argumentar, mas
não tinha jeito.
Podia ser um médico famoso, um
grande tenista, uma conhecida socialite que maltratava os animais, um padre
pedófilo, um pastor que traçava as ovelhas, um deputado que montava um esquema
de desvio na Assembléia, um senador influente, não tinha jeito, quando chegavam
os bem-apessoados cada um tremia nas bases. Uns urinavam nas calças, outros
desmaiavam porque suas vidas tinham sido desnudadas, outros tremiam de dar dó.
Caíam dos pedestais.
E já que tudo vinha de Deus não
adiantava mesmo nada armar para escapar da justiça, porque esta não era
corrupta e venal como a “dos homens”: era justiça mais alta e incorruptível.
Não adiantava sacar da poupança para emergências que todo corrupto esperto faz,
porque esta justiça vinha do alto.
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