Monday, June 10, 2013

Cinco para Uma (da série Tudo Conto)

     Nair, cinéfila, começou a pensar: onde estava e o que “pensava” a personagem cinco minutos antes? Seria melhor contar apenas “antes da morte”, “antes do acidente”, porque não caberia tudo, teria de ser um marco qualquer.
     E começou a fazer um catálogo extenso, reassistindo os filmes para verificar qual era a situação pouco antes de uma personagem morrer, homens e mulheres nos filmes. Comédias, dramas, filmes de guerra ou faroestes, nada escapava. Chamou a isso “cinco (minutos) para uma (desgraça qualquer)”. Na “vida real” também há isso, claro, mas não se poderia senão a grande custo saber coisas sobre as pessoas: nos jornais não diziam e não se poderia perguntar.
     Nos filmes, como na vida, pensava, lá estavam as pessoas todas frosô, todas empinadinhas e de repente cinco minutos depois estavam mortas ou aleijadas ou soterradas. Nada garantia. Evidentemente nos filmes que tinham negros esses eram os primeiros a morrer. Antigamente, então, era pior, mas mesmo hoje é assim. Ela até fez estatísticas a partir de grupos de personagens, principalmente nos filmes de terror: sempre era o negro a morrer primeiro. As crianças, por mais idiotas que fossem e por mais que se metessem em problemas, sempre eram poupadas pelo autor. Tinha de ser mesmo assim. Mulheres antigamente morriam antes dos homens, mas hoje não era mais assim. Latinos vinham depois dos negros. “Xicanos” estavam entre os latinos, mas morriam de forma mais sórdida e eram sempre maus ou idiotas. Europeus morriam antes, principalmente se franceses depois do 11 de setembro de 2001 e depois da mentirada de Bush: os americanos pegaram birra com eles. Ingleses escapavam sempre, embora os ingleses tivessem guerreado com os americanos em 1776 e os franceses tivessem ficado do lado deles.
     Era bem característica a seqüência das mortes, desviava pouco.
     Esquisito ninguém ter atentado para isso antes.
     Nair começou a publicar artigos e com isso a incomodar a poderosa indústria cinematográfica. Os jornais começaram a recusá-la depois da novidade. Reuniões foram feitas, Nair foi declarada persona non grata, pararam de convidá-la para as premières e até mesmo a barrá-la nelas e nos cinemas, ela que era “das antigas” e ia assistir em tela grande, só depois alugando nas locadoras e gravando ou comprando.
     Nair protestou formalmente na Justiça, mas não havia provas, além do que muitos tinham receio da imprensa “pegar no pé”. Nair foi à Igreja, que pôs panos quentes. Nair pregou cartazes, junto com os poucos adeptos, e só tarde da noite, porque algumas vezes apanharam da polícia. Era perigoso, mas iam assim mesmo. Divulgaram cartilhas, fizeram livro pagando do bolso, mas não teve jeito. A verdade não interessava a ninguém, não estava em tela. Pobre Nair, ela acreditava em democracia, sem saber dos mecanismos subterrâneos.

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