Sunday, October 27, 2013

A Pedagogia do Oprimido (da série Expresso 222..., Livro 1)


A Pedagogia do Oprimido

 

                        É claro que eu, como todo brasileiro da minha geração e das esquerdas em geral, e até das direitas e do centro, tenho uma admiração profunda por Paulo Freire e sua revolucionária Pedagogia do Oprimido, que causou furor durante um certo tempo.

                        Dentro do Brasil a ditadura estremeceu e expulsou-o, no que ele foi bem recebido em toda parte.

                        Fica em mim uma insatisfação com a PO, para além do simples fato de ela não ter sido efetivamente implantada no Brasil, face ao medo das elites do que a conscientização poderia levar o povo a fazer. É o próprio nome, pedagogia DO OPRIMIDO, assim como se Deus e Diabo fossem um par oposto/complementar e, no pensamento de algumas diabólicas criaturas Deus precisasse sempre da presença do Diabo para continuar Sua Obra, digamos assim.

                        Pedagogia DO OPRIMIDO faz pensar que precisamos sempre de opressão e de oprimidos para termos onde aplicar a pedagogia.

                        Portanto, considero que seria preferível falar em PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO, assim como existe uma Teologia da Libertação, pois de libertação sempre estaremos necessitados, agora ou daqui a mil anos.

                        Como preparar a pedagogia para que ela fale de libertação?

                        E como fazê-lo, principalmente, sem assustar e armar as elites?

                        Libertação em relação a quê, em primeiro lugar?

                        Do opressor sexual, do opressor racial, do opressor de crianças e velhos, de índios. Da opressão de pais e mães em relação aos filhos, e vice-versa, dos empresários perversos em relação aos empregados, dos governos e governantes com os governados. Da opressão ecológica dos humanos em relação aos bichos e plantas. Da opressão cultural de uns pelos outros. E assim por diante.

                        Enfim, devemos mirar O OPRESSOR, e não o oprimido.

                        A partir daí a libertação será em relação ao opressor, que podemos ser inclusive nós mesmos. Teremos de analisar-nos, o quanto somos opressores. O opressor não será só O OUTRO, mas até nós mesmos – e não se tratará mais de JULGAR OS OUTROS, mas de acabar com a opressão.

                        Então a política de libertação, implícita e explícita, deve fazer-se segundo o interesse próprio do oprimido, e não pela visão do pedagogo. Uma PEDAGOGIA INTERESSADA, digamos assim. Quais são os termos geo-históricos de vida de cada um? Quem são as pessoas? Quais os seus objetivos? O que produzem? Como se organizam? Que linhas os conduziram do passado ao presente? Então, neste particular, alguma coisa diferencia os que vieram da África dos que vieram da Europa, e a par da geo-história da Europa deveria ser ensinada a da África, a das Américas pré-colombianas, a da Ásia, a do Oriente Médio, etc.

                        Está bem claro que a Pedagogia do Oprimido ainda foi proposta nos moldes menos amplos da intelectualidade brasileira dos 1960, desejosa de implantar os valores latinos, a civilização de fundo greco-romano. E cristão, claro, sem espaço para os cultos animistas, para o espiritismo, para as religiões orientais, para o islamismo.

                        O Brasil não foi ainda estudado nesse nível mais amplo de uma brasilidade que exponencialmente vai se fazendo nas sombras, sem que as elites educacionais as estudem e exprimam nas academias do ensino dito “superior”. Superior em que sentido? Não no de dar consistência a essa brasil/idade, tempo de Brasil.

                        Não é dada vazão a esse amplo sentimento de base de que as coisas, tal como despontam na mídia, não são suficientes, nem são sequer interessantes, sendo no máximo suportáveis na falta de algo melhor e mais empolgante.

                        Como os filmes brasileiros do Cinema Novo, em que os cineastas ficavam discutindo uns com os outros e estranhavam depois não haver público, enquanto o povo estava lotando as salas de Mazzaropi e outros artistas populares.

                        Apesar de tudo de maravilhoso que tem, como primeiro alto vôo brasileiro em filosofia da educação, a Pedagogia do Oprimido deixa muito a desejar, e deve ser refeita nos novos moldes.

                        Vitória, quarta-feira, 10 de abril de 2002.

                  

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