Racionalismo
Amebiano
Do
livro de David DEUTSCH, A Essência da Realidade (uma revolucionária visão da
realidade entrelaçada pelas teorias da evolução, do conhecimento, da física
quântica e da ciência da computação), São Paulo, Makron, 2000, p. 135, tiro
estas citações, todos os grifos meus:
·
“Em termos de massa, energia ou qualquer
medida astrofísica de significado, a nossa biosfera é uma fração desprezível
até mesmo da Terra, no entanto é um truísmo da astronomia que o sistema solar
consista essencialmente no Sol e em Júpiter. Tudo mais (incluindo a Terra) são ‘apenas impurezas’”.
·
“Deste
modo, a visão predominante atualmente é que a vida, longe de ser central, seja
em termos geométricos, teóricos ou práticos, é de uma insignificância quase inconcebível”.
Felizmente, logo em seguida ele se
redime e diz: “Mas, extraordinariamente, essa aparência é enganosa”.
Pouco antes disso ele cita o
aclamadíssimo (e até então um dos meus heróis) Stephen Hawking: ’A raça humana
é apenas uma escória química em um
planeta de tamanho moderado orbitando ao redor de uma estrela média no subúrbio
de uma entre cem bilhões de galáxias’.
Não são só eles que se pronunciam
assim. Também Isaac Asimov, doutor em bioquímica e escritor de FC, Carl Sagan,
astrofísico e divulgador científico, e muitos e muitos cientistas tem a mesma
opinião.
Já que somos habitantes de um cisco
(100 bilhões de galáxias, cada uma tendo entre 100 e 1000 bilhões de estrelas),
um pequeno planeta, num Sol tipo GO na borda (30 mil de raio do centro, para um
diâmetro na Via Láctea de 100 mil anos-luz) galáctica, não passamos de amebas.
Mas, como raciocinamos, e até valorizamos extraordinariamente o raciocínio (até
mesmo esses que falam assim), denominei esse tipo de pensamento racionalismo AMEBIANO, o superpensamento
das amebas – é quando as amebas se dedicam a pensar com afinco e
obstinação.
Acontece que antes de Nicolau
Copérnico (astrônomo polonês, Torun, 1473 – Frauenburg, 1543, 70 anos entre
datas) a Terra, segundo os religiosos, ocupava o centro do universo, ao passo
que depois dele viu-se que ela orbitava o Sol, já não centrava nada. E antes de
Charles Darwin (naturalista e biólogo inglês, Shrewsbury, 1809 – Dawn, Kent,
1882, 73 anos entre datas) o ser humano era o rei da criação, ao passo que
depois dele tornamo-nos primos dos macacos.
Mais tarde os físicos criaram o
chamado Tempo Profundo, ampliando a
idade da Terra dos meros quatro mil anos dos cálculos bíblicos para 4,5 bilhões
de anos, e do universo para 15 bilhões, pelo menos. Com isso a vida humana tornou-se
um fragmento “insignificante” de tudo. E Sagan fez questão de criar o paralelo
denominado ANO CÓSMICO, em que um ano de 365 dias é comparado com o tempo
universal, a civilização humana aparecendo nos últimos segundos antes de
terminar o ano, como que caminhando para um FIM.
Longe estou de pregar a adesão a
esse deslocado movimento anticientífico, eu que sou fã fervoroso da Ciência.
Contudo, depois de Copérnico, de Darwin, dos multiplicadores temporais e dos
racionalistas amebianos, os seres humanos tornaram-se menos que poeira,
invisíveis habitantes do pó.
Resultou que a antiga pregação
cristã, especialmente católica, de engrandecimento do ser humano como obra de
Deus, e da correlata obra humana como importante coadjuvante desse processo de
crescimento em direção e sentido da santidade, os erros e as precipitações de
determinados cientistas e apressados divulgadores científicos levaram a uma
descrença total, ao opróbrio ou ignomínia ou infâmia de tudo que é humano, à
desumanização dos atos, à indignidade das vontades.
E finalmente tivemos o pior de todos
os séculos, o vigésimo, tão pernicioso que os próprios historiadores,
acostumados a afrontar sem estremecimento todas as barbáries antigas, tem por
ele horror inaudito.
O cinema, as rádios, as Tevês, os
jornais, as revistas e principalmente, desde 1989 no mundo e desde 1996 no
Brasil a Internet, mais o teatro e todas as tecnartes, tornaram-se propagadoras
de uma malícia que não apenas pratica o mal como faz questão de contaminar e
tornar propagadores dele a outros.
Com tudo de bom que a Ciência fez,
com tudo que a ela devemos em termos de liberdades novas e libertação dos
estados de prostração e submissão aos poderes ditatoriais de qualquer teor ou
origem, é certo que nisso reside a nossa inquietação – que por fazer o bem lhe
tenha sido dada autorização para desfazer aquela digna estatura humana e de
toda a Criação com a qual outrora a humanidade viveu seus dias.
E tal foi feito com o terrível preço
que temos pagado.
Pelo contrário, no modelo o ser
humano aparece como o Cristal na ponta da lança da Criação, e eu creio que nós
precisamos ter força de vontade para nos arrancarmos a essa mentira horrível
que nos pregou o racionalismo amebiano.
Vitória, sábado, 12 de janeiro de
2002.
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