Thursday, October 31, 2013

Pébola (da série Expresso 222..., Livro 1)


Pébola

 

                        No livro de Heinrich Zimmer, Filosofias da Índia, São Paulo, Palas Athena, 1986, ele nos conta que a Índia, com a sua continuidade, forma as palavras com prefixos e sufixos do próprio sânscrito, portanto em continuidade histórica, e não como nós, que derivamos as palavras do latim, língua romana, e do grego antigo, incompreensíveis para nossos povos.

                        Na Índia Mahävira é composto de mahänt, grande, e vira, herói, portanto grande-herói, que todo mundo entende.

                        No Ocidente, se desejamos criar uma palavra, por exemplo, BIOLOGIA,        devemos tomar o radical grego BIO, vida, e o segundo elemento de composição também grego, LOGIA, discurso, tratado, ciência, para ficar com VIDACIÊNCIA. Só que não escrevemos vidaciência, que as pessoas poderiam entender de pronto, mas BIOLOGIA, que é uma nova palavra a acrescentar ao dicionário.

                        Acontece que contagens mostraram que o linguajar popular se resume a cerca de 800 palavras, e que são usadas no cotidiano no máximo 2000 delas. Não obstante, o esforço contínuo dos intelectuais (não de todo errado) é produzir dicionários com 200, 300, 400 e até 500 mil palavras, a maioria tirada das línguas estrangeiras.

                        Digamos, futebol, que vem do inglês: FOOT, pé, e BOL, bola, portanto PÉBOLA. Se originalmente usássemos esse método, tudo teria sido mais fácil. Falaríamos CESTABOLA para basquetebol, REDEBOLA para voleibol, MÃOBOLA para handbol e assim por diante.

                        O povo e as elites não teriam suas memórias sobrecarregadas com milhares e centenas de milhares de palavras novas.

                        A vergonha de ter uma língua própria, a submissão cultural ao estrangeiro, o sentimento interno de impotência, tudo contribuiu para isso, que sobrecarrega nossas mentes, mais ainda agora com os termos de computação,  algumas centenas ou milhares, que vem todos do inglês.

                        Tudo porque alguns acreditaram, erradamente, que nossa civilização é de fundo greco-romano, quando nitidamente houve uma interrupção, um corte grande e prolongado. Então, essas pessoas foram buscar naquelas línguas os elementos de formação.

                        Mas, embora tenhamos uma dívida de gratidão enorme com aqueles povos, não somos romanos, nem gregos, nem sequer europeus no Brasil, que é um amálgama, essa mistura dos nativos indígenas, dos africanos, dos europeus, dos asiáticos, de 1,5 milhão de muçulmanos, de 100 mil judeus – todos esses povos, especialmente o português que deu origem à nação, vindo de outras misturas que se estendem nos séculos e milênios.

                        Nós não somos latinos, no Brasil. Somos um povo novo, como viu Darci Ribeiro. Como podemos ser latinos se 50 % são brancos, 44 % mestiços e 6 % negros? Isso porque muitos que passam por brancos recusam-se a reconhecer a mestiçagem, que avança a ritmo acelerado.

                        Poderíamos assistir uma partida de PÉBOLA entre Flamengo e Corinthians, e estaríamos tão ou mais felizes que numa partida de FUTEBOL.

                        Por quê devemos sentir vergonha de sermos brasileiros e termos uma língua nossa mesmo? Os dicionários poderiam ser reduzidos a 1/3, poupando considerável quantidade de memória. Não sei se agora é tarde, em vista da nomenclatura científica, que é internacional, e de outras dificuldades.

                        Em todo caso, fica a oportunidade perdida da identidade lingüística que a Índia soube manter. Alguns vão dizer que os hindus são pobres, miseráveis em sua maioria, e que as castas mantêm-nos separados. Certo, nem tudo é perfeito.

                        Imagine agora o que NÓS teríamos conseguido fazer, se tivéssemos mantido essa continuidade lingüística!

                        Vitória, quarta-feira, 10 de abril de 2002.

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