Thursday, October 31, 2013

Há Perigo de Argentinização do Brasil? (da série Expresso 222..., Livro 2)


Há Perigo de Argentinização do Brasil?

 

                        Quando eu estava trabalhando em Pequiá, divisa com Minas Gerais, surgiu o papo da Argentina. Tenho falado do modelo para alguns colegas, e dos ciclos, da sua presumida capacidade de previsão. Falei de quando, em 1994, escrevi um artigo para o jornal circular da SEFA dizendo que o Brasil, lançada a URV (unidade Real de Valor) que conduzia ao Real, passaria pelos mesmos problemas que a Argentina, que tinha embarcado antes. Descrevi alhures que quando a Argentina afundasse, ela se escoraria no Brasil, e perguntei em quem nosso país se ampararia.

                        Disse ainda, naquele ano, logo em abril, que a inflação tinha acabado nos próximos 60 anos, o que espantou muito as pessoas.

                        Então, se agora a Argentina está afundando, o Brasil seguirá seus passos? Creio que não. Naquela ocasião afirmei que FHC teria sete anos para evitar o desastre que o governo mesmo havia plantado. Não porque havia dado fim à inflação e aos juros tremendos da época, pelo contrário, porque não o havia feito antes. Mesmo assim os juros reais brasileiros são um dos maiores do mundo, tolerados pelo governo como forma de superacumulação das elites não-produtivas de fundo cultural português.

                        No papo de agosto ou setembro/2001 em Pequiá afirmei que a Argentina caminharia para a guerra civil. Logo em seguida estimei que a relação peso/dólar iria a 4/1 (chegou até agora a 3,2/1), porque o desestancamento levaria a isso. De fato, no Brasil a relação real/dólar chegou a 2,8/1, baixando agora a 2,3/1, inflação de 130 %. Lembre-se que a Argentina começou uns três ou mais anos antes, o que levaria a uma inflação maior no período de 10 ou 12 anos, decorridos desde o início do plano deles. Em vista disso, grosso modo, poderíamos pensar em 4/1.

                        Como quando houve a súbita desvalorização do real, de 30 % ou mais. Era fácil prever que ele iria a 1,7/1, pois o preço dos produtos e serviços todos apontavam isso. E, depois, para mais que dois por um. O preço das passagens dos ônibus municipais em Vitória passou de 0,30 em 1994 para 0,45 (50 % de reajuste no ano seguinte), depois 0,50, a seguir 0,75 e é agora de 1,00, devendo haver outra greve forjada dos “trabalhadores” (motoristas e trocadores induzidos pelos donos das empresas) em junho/2002, como sempre aconteceu, nestes oito anos. Segue-se que a inflação das passagens foi de 1,00/0,30 = 233 % (o dólar deveria estar a 3,33 reais. Estando a 2,30 reais, isso mostra a força do Real como moeda e produçãorganização).

                        Se tudo isso pode ser pensado, o Brasil seguirá os passos da Argentina, como eu havia previsto?

                        A resposta é que NÃO.

                        Porque a turma de FHC fez direitinho o dever de casa.

                        Não deu independência ao Banco Central, como não tinha mesmo que fazer; não estancou a relação das moedas, o que seria um absurdo; liberou os preços; fez obras “enterradas” fundamentais, para o futuro, e outras evidentes no Brasil em Ação. Ademais o Brasil é muito maior que a Argentina e, PRINCIPALMENTE, não é homogêneo em palavras e ações. Há enormes cidades aqui em 26 estados e o DF, num número incomparavelmente maior que por lá.

                        Há independência de procedimentos, de invenção, de renovação. Há uma liberdade de cruzamentos em todos os sentidos com a qual os argentinos nem sonham.

                        Por via de conseqüência o Brasil está a salvo. Não haverá aqui argentinização, e o país passará ao largo não só desta mas de muitas crises mais, como passou com a do México em 1987, a do Oriente em 1997, a da Rússia em 1998, e assim por diante. Só um colapso total do mundo ameaçaria verdadeiramente o Brasil, e assim mesmo por curtíssimo prazo, dependendo somente da ligeireza da abertura interna. Não é mais como em 1929, quando a nação foi pega de surpresa numa monocultura subserviente do café.

                        Vitória, domingo, 12 de maio de 2002.

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