Há
Perigo de Argentinização do Brasil?
Quando eu estava
trabalhando em Pequiá, divisa com Minas Gerais, surgiu o papo da Argentina.
Tenho falado do modelo para alguns colegas, e dos ciclos, da sua presumida
capacidade de previsão. Falei de quando, em 1994, escrevi um artigo para o
jornal circular da SEFA dizendo que o Brasil, lançada a URV (unidade Real de
Valor) que conduzia ao Real, passaria pelos mesmos problemas que a Argentina,
que tinha embarcado antes. Descrevi alhures que quando a Argentina afundasse,
ela se escoraria no Brasil, e perguntei em quem nosso país se ampararia.
Disse ainda, naquele
ano, logo em abril, que a inflação tinha acabado nos próximos 60 anos, o que
espantou muito as pessoas.
Então, se agora a
Argentina está afundando, o Brasil seguirá seus passos? Creio que não. Naquela
ocasião afirmei que FHC teria sete anos para evitar o desastre que o governo
mesmo havia plantado. Não porque havia dado fim à inflação e aos juros
tremendos da época, pelo contrário, porque não o havia feito antes. Mesmo assim
os juros reais brasileiros são um dos maiores do mundo, tolerados pelo governo
como forma de superacumulação das elites não-produtivas de fundo cultural
português.
No papo de agosto ou
setembro/2001 em Pequiá afirmei que a Argentina caminharia para a guerra civil.
Logo em seguida estimei que a relação peso/dólar iria a 4/1 (chegou até agora a
3,2/1), porque o desestancamento levaria a isso. De fato, no Brasil a relação
real/dólar chegou a 2,8/1, baixando agora a 2,3/1, inflação de 130 %. Lembre-se
que a Argentina começou uns três ou mais anos antes, o que levaria a uma
inflação maior no período de 10 ou 12 anos, decorridos desde o início do plano
deles. Em vista disso, grosso modo, poderíamos pensar em 4/1.
Como quando houve a
súbita desvalorização do real, de 30 % ou mais. Era fácil prever que ele iria a
1,7/1, pois o preço dos produtos e serviços todos apontavam isso. E, depois,
para mais que dois por um. O preço das passagens dos ônibus municipais em
Vitória passou de 0,30 em 1994 para 0,45 (50 % de reajuste no ano seguinte),
depois 0,50, a seguir 0,75 e é agora de 1,00, devendo haver outra greve forjada
dos “trabalhadores” (motoristas e trocadores induzidos pelos donos das
empresas) em junho/2002, como sempre aconteceu, nestes oito anos. Segue-se que
a inflação das passagens foi de 1,00/0,30 = 233 % (o dólar deveria estar a 3,33
reais. Estando a 2,30 reais, isso mostra a força do Real como moeda e produçãorganização).
Se tudo isso pode ser
pensado, o Brasil seguirá os passos da Argentina, como eu havia previsto?
A resposta é que NÃO.
Porque a turma de FHC
fez direitinho o dever de casa.
Não deu independência ao
Banco Central, como não tinha mesmo que fazer; não estancou a relação das
moedas, o que seria um absurdo; liberou os preços; fez obras “enterradas”
fundamentais, para o futuro, e outras evidentes no Brasil em Ação. Ademais o
Brasil é muito maior que a Argentina e, PRINCIPALMENTE, não é homogêneo em
palavras e ações. Há enormes cidades aqui em 26 estados e o DF, num número
incomparavelmente maior que por lá.
Há independência de
procedimentos, de invenção, de renovação. Há uma liberdade de cruzamentos em
todos os sentidos com a qual os argentinos nem sonham.
Por via de conseqüência
o Brasil está a salvo. Não haverá aqui argentinização, e o país passará ao
largo não só desta mas de muitas crises mais, como passou com a do México em
1987, a do Oriente em 1997, a da Rússia em 1998, e assim por diante. Só um
colapso total do mundo ameaçaria verdadeiramente o Brasil, e assim mesmo por
curtíssimo prazo, dependendo somente da ligeireza da abertura interna. Não é
mais como em 1929, quando a nação foi pega de surpresa numa monocultura
subserviente do café.
Vitória, domingo, 12 de
maio de 2002.
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