Maurício
e Disney
Entre Maurício de Sousa
e Walter (Walt) Disney prefiro o primeiro. Comecei a ler as revistas Disney (já
não era mais ele que desenhava, como também não é o Maurício que desenha) lá
por 1959, quando tinha cinco anos, e freqüentava a pré-alfabetização em
Cachoeiro. Fizeram uma aposta comigo, de que eu não conseguiria; levei muito
tempo, mas ganhei um refresco.
Desde então não parei
mais. Li Disney por décadas, até que enjoei. Os esquemas de fundo são
americanos, é claro. Tio Patinhas é um sovina traiçoeiro que só pensa em
dinheiro o tempo inteiro. Pato Donald é um fracassado iludido, o Tio dos
meninos Huguinho, Zezinho e Luisinho, sempre os meninos espertíssimos. A
Margarida é a eterna namorada dele. As trapalhadas são repetitivas, mesmo com a
modernização. O Pateta, nome escolhido no Brasil, denota aquele idiota de que
todos zombam. O Mickey é o rato sabe-tudo, com a namoradinha Minnie. Fora a
Maga Patalógica (nome delicioso, sempre brasileiro) e outras personagens. O que
se vê mais são traições, conchavos, conspirações, todo tipo de perversidade. A
bondade é um gesto raro, até raríssimo, e a compaixão está completamente
ausente, segundo a ética protestante do trabalho forçado. Enfim, todos os
valores negativos estão presentes.
Por comparação, Maurício
e seu grupo de criadores nos proporcionaram criações muito mais felizes.
Embora seja ruim ver a
sujeira permanente do Cascão, a esquizofrenia do Cebolinha (até cheguei a
pensar que só ele via o Louco), o autoritarismo da Mônica, Dona da Rua, a
gulodice irrefreável da Magali, os planos sempre falíveis do Cebolinha de
substituir a ditadura da Mônica pela sua. Sem falar do Piteco, que foge do
casamento a todo custo, e da Tugha, que o persegue, colocando as mulheres em
posição desfavorável. Os animais que aparecem na floresta são caricatos.
A única personagem
realmente sadia é a do Chico Bento, que vive na Roça indeterminada.
Mas em Papa-Capim os
índios são vistos favoravelmente, a ecologia é freqüentemente retratada e
defendida, os pais e as mães são amorosos, o amor é valorizado, os jogos
infantis de antigamente são trazidos à baila (pipa, pião, bola-de-gude, pegas
de esconder), a amizade é uma constante, os valores humanos são positivos são
insistentemente sobrelevados.
Nem por isso a sociedade
brasileira é melhor.
Mas é o espírito da
coisa. O negativismo de Disney e seu grupo versus a abordagem francamente
favorável de Maurício e sua turma.
Os seres humanos não são
retratados unicamente como grotescos, via modelação de animais, como em Disney.
É óbvio que todos
sabemos da banda podre. Ninguém quer esconder isso. Por exemplo, o Espírito
Santo em volta do ano 2000 é uma coisa tristíssima, com 14 assassinatos em dez
horas, horripilante marca.
Não obstante, há uma
distinção notável entre os dois espíritos, sendo o do brasileiro Maurício MUITO
MAIS digno que o do americano Disney. E, pelo menos neste particular, o que é bom para os americanos não é bom
para os brasileiros, e creio que nem para o resto do mundo.
Seria legal os acadêmicos
e os cientistas abordarem com suas ferramentas os dois grupos, comparando-os em
todos os itens onde houver paralelismo.
Vitória, sexta-feira, 19
de abril de 2002.
No comments:
Post a Comment