Atlântida
Um
Marc André R. Keppe publicou o livro A Origem da Terra (Geologia – História –
Biologia), São Paulo, Próton, 1986, onde, entre outras coisas, fala de
Atlântida no Capítulo 2, Queda de Civilizações Imponentes, 4, Atlântida, página
103 e seguintes. Todos os grifos e negritos meus.
A primeira linha já diz
assim: “Foram inúmeras as interpretações sobre esta civilização (...)”, o que dá a entender QUE HOUVE uma
civilização. Primeiro é preciso que haja para só depois perguntarmos se têm
características de civilização. Acontece que é justamente a existência,
preliminar, que está sendo posta em dúvida.
Também a Barsa
eletrônica coloca: “Sede de antiga civilização que supostamente existiu (...)” e “(...) essa ilha do
continente lendário (...)”.
Primeiro coloca a afirmação, “antiga civilização”, e só depois a negação dela,
“supostamente”, ou “essa ilha do continente” e a seguir “lendário”. Primeiro a
mente toma contato com o positivo e só depois com o negativo.
Por quê essa gente não
tem o mínimo de correção?
O autor citado acima,
Marc Keppe, coloca em seu livro os diálogos platônicos Crítias e Timeu, nos
quais o mito de Atlântida é relatado, no primeiro por Crítias, neto de Sólon,
legislador ateniense que foi ao Egito de então (já com três mil anos de
civilização), como algum americano de agora vai à Europa. Naturalmente Sólon
contou aos filhos e netos, e Crítias repassou a Sócrates, que a contou a
Platão, que a colocou no papel, na época papiro. Se Sólon já tinha alguma idade e se Crítias era um garotinho, algo pode ter
se perdido na passagem.
Sócrates já tinha alguma idade quando recebeu o
jovem Platão como discípulo. Nem ele nem Sólon eram caducos, porém a coisa não
veio diretamente dos sacerdotes egípcios, nem houve pesquisa de fonte.
O Keppe cita
extensamente, mas como não há espaço para tanto, vou destacar passagens e
interpretá-las:
1) “Esta ilha era maior que a Líbia e a Ásia reunidas
(...)”. A “Líbia” de que se fala aqui não é a mesma de agora, área de 1.775.500
km2, população em 2001 de 5,4 milhões, ditadura militar do coronel
Muammar Kadafi, PIB indeterminado, indo de US$ 16,2 a US$ 50,0 bilhões. Era
então o nome genérico da África. E Ásia era todo o Oriente depois do Crescente
Fértil, quer dizer, depois da Suméria, da Mesopotâmia. A África tem 30,3 e a
Ásia 44,3 milhões de km2, somando 74,6 milhões de km2.
Veja que diz ILHA, portanto cercada de água por todos os lados. Para dizer que
era maior tinha que conhecer, ou desconhecer (querendo dizer “muito grande”) ou
estar de pilhéria com um estrangeiro crédulo (embora Sólon fosse legislador
respeitado).
2) “(...) e todos os que
se encontram deste lado do estreito”.
Um estreito significa uma língua de mar entre duas porções de terra, como o
Estreito de Magalhães, situado no extremo sul da América do Sul, onde esta se
separa da Ilha Grande, na Terra do Fogo. Onde haveria um estreito nas
proximidades de Europa e África, de onde o sacerdote e Sólon conversavam,
exceto onde depois foi escavado o Canal de Suez? Por conseguinte estavam
separados os dois continentes da África e da Ásia nove mil anos antes de
Sócrates, ou 11,5 mil anos de agora, o que pode ser testado pela Geologia – é
um pedido direto de prova. Como a África migrou para o nordeste (e a América do
Sul para sudoeste) desde a separação de ambas mais de 900 km, pelos meus
cálculos, seguramente houve uma passagem. Mas não vale ter sido 70 milhões de
anos atrás, quando não existiam seres humanos, e sim tão perto quanto 11,5 mil
anos. E Crítias, falando pela boca do sacerdote, diz: “deste lado do estreito”. Quer dizer que na época em que o
sacerdote se pronuncia, por volta de 500 antes de Cristo, o estreito
forçosamente deveria ainda existir, o que também pode ser testado. De fato o
Egito se situa bem diante do atual Canal de Suez.
3) “(...) havia sobre as montanhas vastas
florestas, das quais subsistem ainda traços visíveis. Pois entre essas
montanhas que só podem nutrir as abelhas, as há nas quais não há muito tempo, se cortavam grandes árvores, próprias
para montar as mais vastas construções, das quais os revestimentos ainda existem”.
Aqui caberia datação de carbono, se tais revestimentos puderem ainda ser
achados. Acontece que, na segunda metade do século passado, o XX, os cientistas
descobriram com espanto que o Saara já teve água e hipopótamos, bem como
grandes florestas, das quais há restos petrificados, bem como população que
deixou rastros em cavernas. Segue-se que o sacerdote não estava delirando. E
ele continua “(...) e a terra dava
aos rebanhos pasto inesgotável. A água fecundante de Zeus que aí
escorria a cada ano não escoava em vão, como hoje, para ir perder-se da terra
estéril para o mar: a terra a recebia em suas entranhas e recebia do céu uma quantidade que reservava, nas suas
camadas (...)”. Ou seja, CHOVIA a ponto de escorrer água que ia até o mar, quer
dizer, havia rios perenes.
4) “(...) um dilúvio,
que foi o terceiro, antes da catástrofe de Deucalião (...)”. Quando e onde os
cientistas podem apontar QUATRO dilúvios, um seguido do outro, sendo que o
último foi considerado uma CATÁSTROFE? Eis outro pedido de prova bem
específico, a sondar nos depósitos aluviais. Catástrofe, no Houaiss, 651, é
“acontecimento desastroso de grandes proporções”. Veja que des/astre significa desalinhamento dos astros, quer dizer, abalo
provocado por realinhamento planetário, e DE GRANDES PROPORÇÕES é coisa
grande mesmo. Deucalião foi, na mitologia grega, filho de Prometeu (o que
roubou o fogo dos deuses para dá-lo aos humanos, e foi punido por isso) e
marido de Pirra. Deucalião e Pirra, como Noé e esposa e filhos, foram os únicos
sobreviventes, tendo se refugiado numa barca que os levou ao Parnaso, um monte,
exatamente como no mito bíblico. Um dilúvio, de proporções absolutamente
arrasadoras, a ponto de sobrarem apenas duas pessoas.
5) Atlântida era “(...) insolente potência que invadia de um só
golpe a Europa e toda a Ásia, e
que sobre elas se lançava do fundo do oceano Atlântico (...)”. Se
estava na Europa e na Ásia não podia invadi-las, assim como os EUA só invadem o
exterior; conseqüentemente, sendo o mundo conhecido Europa, Ásia e África, só
restava a África. E o sacerdote continua: “Por outra, de outro lado possuía a
Líbia, até o Egito, a Europa, até a Tirrênia”. Possuía a Líbia/África até o Egito, e a Europa até Tirrênia,
que deu nome ao mar Tirreno, não se sabe se pelo lado da esquerda ou da
direita. E repare que é “do fundo do
oceano”, o Atlântico, e não outro. Do
fundo tem significado tanto de “sob a superfície”, bem para baixo, quanto
“de bem longe”, distante. Observe também diz: “(...) diante daquela passagem que chamais de colunas de Hércules
(...)”. Com isso as pessoas traçaram uma linha reta e imaginaram que fosse dar
nas Américas. Não, absolutamente não! Diz: DIANTE, ou seja, à frente, depois
de, o que pode ser em qualquer lugar.
E fala em ilha. Ilha é
ilha mesmo, uma porção de terra cercada de água, não se pode inventar.
Mas na Rede Cognitiva,
que a Grade Signalítica mostrou, ilha = FALHA. E, adivinhe, o oceano Atlântico
tem 106,5 milhões de km2, de modo que ele é maior que a África/Líbia
e a Ásia juntas. Se houvesse uma civilização SOB AS ÁGUAS (que tivesse dominado
a África e a Ásia juntas), satisfaria todas as hipóteses. Isso é impossível,
mas a lógica do conto o exige. Dessa impossível civilização uma ilha seria o
centro emerso, motivo para FC ou fantasia, e revistas em quadrinhos.
Não estou advogando a
existência de Atlântida. E critérios já os coloquei nos textos do modelo,
PORQUE a lógica há de ser preservada em
tudo.
O próprio Keppe diz, p.
103: “Muito antes de o homem comprovar cientificamente que a Terra fosse
esférica, já havia a imagem de Atlas carregando o globo terrestre na mitologia
grega”. Seria o caso de buscar um exemplar dessa escultura, para mirar o globo
reproduzido, os continentes presentes, etc. Creio que uma ou mais de uma deve
(m) ser buscada (s) a todo galope. Achá-la seria fundamental, por milhões de
motivos. Existiu ou não existiu. Se há chances, que a procurem metodicamente,
cientificamente, com rigor. Se não a acharem, depois de todo esforço sério, que
parem o falatório. Agora, ficar
enrolando é que não dá pé. Uns dizendo que sim e outros dizendo que não, ambos
os lados se recusando a buscar porque, para os favoráveis o não-achamento seria
o cancelamento de ilusões acalentadas, e para os negativistas o achamento os
faria candidatos ao deboche.
Há tantas coisas para
pensar que não podemos nos dar ao luxo de ficar embalando fantasmagorias.
Vitória, quarta-feira,
22 de maio de 2002.
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