As
“n” Vidas
No extraordinário filme
de Edward Wang, As Coisas Simples da Vida, 2000, rodado em Hong Kong (portanto pós-reincorporação
pela China em 1997), saudado pela Variety como “um filme de formidável
inteligência e observação” e “um deleite
constante para os olhos”, melhor filme estrangeiro para a Associação dos
Críticos de Nova Iorque e ganhador do prêmio de melhor diretor do Festival de
Cannes, uma das personagens, um rapaz diz ter o tio afirmado que depois do
Cinema (em maiúsculas conjunto ou grupo ou família de cinemas – tanto as salas
quanto os tipos de enredo e de construção) a gente vive três vezes - a vida
real e as do cinema. Poderia ter dito duas, a real e a do cinema.
Creio que são “n” vidas,
tantas quantas cada um pode perceber ou aproveitar. É certo que podemos dizer
para muitos meios de transmissão da informação, e não somente o Cinema, que não
sabíamos como se poderia viver antes do aparecimento daquele meio, ou
instrumento, ou aparelho, ou máquina, por exemplo o telefone, o microondas, os
ônibus e o resto todo.
Contudo, o Cinema é
especial.
A gente ri e chora,
pensa e se comove, ama e sofre com as cenas de tela. Como seria pobre o mundo
sem os filmes! Porque a TV passa-os, as salas de cinema, o videocassete ou DVD.
Estamos constantemente vendo-os, às centenas - e aos milhares quem sabe
aproveitar mais (os chamados
“cinéfilos”, os que gostam de cinema).
“Gosto” é dizer pouco.
Paixão seria mais correto.
Apaixonados,
aprisionados irremediavelmente desde criancinhas, os que estão “arriados os
quatro pneus”, conforme o dito popular. E há os que não dão muita bola, nem vão
mais ao cinema; ou apenas vêem fitas e discos, ou esperam os filmes gratuitos
da TV aberta, ou os pagos pela assinatura da TV fechada.
Como eu ia com minha mãe
desde pequenino (papai era motorista, viajava muito), levei meus filhos também
desde muito cedo. O resultado é que somos todos grandes apreciadores, e eu em
particular de todos os gêneros.
Como podem os diretores, câmeras,
iluminadores e demais participantes inventar tantos ângulos, efeitos especiais,
fotografias, luzes, combinações? E os roteiristas, sempre criando um modo novo
de ver o mundo? E os continuístas ou cortadores montarem tantas centenas de
metros com milhares de pedaços de cenas? Porque o que é apresentado na tela é
só a ponta de um iceberg – resta outro tanto, o dobro, o triplo, o quádruplo de
material não editado.
Dizem que o Cinema é a
SÉTIMA ARTE, depois de seis outras, significando no entanto que é a SOBERANA
ARTE, a mais perfeita delas, a arte central, que pese o desprezo que os
“grandes” artistas professam velada ou abertamente por ele.
Em que tecnarte
poderíamos viver outras vidas? Na pintura, no desenho, na poesia, na prosa, na
dança, na moda, da fotografia, na música, no discurso, no teatro, na tapeçaria,
na esculturação, no paisagismo/jardinagem, na arquiengenharia, no urbanismo, na
decoração, com os alimentos, com as bebidas, com as pastas, com os temperos,
com os perfumes, em cada um e com cada coisa um pouco, porém no cinema mais que
em cada um, sozinho, e que em todos juntos.
É porisso que o Cinema
tem a predileção de todos, através do mundo, inclusive a minha.
Ele nos permite viver
não duas ou três e sim milhares de vidas nos milhares de filmes, e até dezenas
de milhares delas, pois cada filme tem muitas figuras, humanas e outras.
Vivemos mesmo a vida de animais e plantas, e até a existência das pedras e
coisas inanimadas em geral.
Assim, as nossas vidas
foram alargadas até quase o infinito, pelo menos até o ilimitado, em vez de
termos aquelas vidas muito mais simples de cento e poucos anos atrás.
Vitória, domingo, 05 de
maio de 2002.
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