Atores Coadjuvantes
O diretor de cena
chamou todos os atores para a seção fotográfica destinada a promover o sítio na
Internet. Sítio já seria abuso, era mais uma chácara. Os terrenos queriam se
fazer passar por chácaras, estas por sítios, estes por fazendas que se
arvoravam em territórios.
Qualquer coisa com
dois hectares já bufava.
E com a valorização
imobiliária estratosférica no ES qualquer sítio já contratava profissionais de
propaganda, que por sua vez apelavam aos atores coadjuvantes, por exemplo, seu
Crispino, engenheiro que fazia as vezes de lavrador humilde, caseiro destemido
sem medo da enxada; dona Sara, exímia em computação, que fazia bico como esposa
dele; e os “filhos e filhas” todos preparadíssimos pousando como alegres
companheiros da roça.
Sakia (em homenagem
a Çakiamuni, Sidarta Gautama, Buda, que o pai e a mãe admiravam) era o diretor
e chamou todos à responsabilidade.
- Cadê a cachoeira?
- Tá aqui, seu
Sakia.
- Onde?
- Aqui.
- O quê, esse
filete de água é cachoeira?
- As outras tavam
todas ocupadas, um filme na região.
Sakia foi muito paciente
ao falar, mas fervia por dentro.
- Meu filho, o
sítio não vale nem 300, o dono vai pedir 1.500 por ele, você acha que é à toa?
Nisso o peixe do
laguinho, que estava preso por uma daquelas presilhas que os seguram para pesar
e soltar reclamou entredentes.
- Ei, e eu aqui,
vai demorar? Alguém tá contando, porque eu tô, já é a oitava vez, vou querer
hora extra. Já tô secando, joga água aqui, ajudante.
As bananeiras e o
pé de mexerica verdadeira meteram o bedelho. A jabuticabeira estava furiosa.
- Ó, nós tamos
paradas faz muito tempo, tá dando câimbra.
A grama fez muxoxo.
- Tão me pisando
faz 16 horas, ninguém vai trazer café?
O ajudante quis
ajudar.
- Chefe, porque o
senhor não coloca “produto natural” na propaganda?
- Você é uma besta
mesmo, você já viu sítio artificial?
- Este aqui mesmo,
antes dos coadjuvantes não era nada parecido com sítio. Bota “sem agroxóticos”
e coloca “sem glúten”.
- É agrotóxicos,
seu animal. E que tem a ver glúten?
- Eu já vi em água
num supermercado lá em Jacaraípe.
- H2O?
- É, sim, senhor.
- Você tá
completamente zureta. Quem trouxe esse cara?
A vaquinha e a
cabrita começaram a vaiar. A vaca deu um patada num boboca: “vá pegar nos
peitos da mãe, sou profissional. Ei, diretor, toma conta desse aqui”.
DIRETOR – meu Deus,
nada vale isso.
A “subidinha
calçada” rebolou.
- Ó, eu não vou
ficar nessa posição comportadinha de jeito nenhum se essa coisa não começar
logo.
Aí foi a vez das
flores.
- O sol tá muito
forte, cadê a sombrinha?
Depois disso
começou uma gritaria tão alta que peguei minha câmara e vim embora. Tá doido!
Serra,
quinta-feira, 26 de abril de 2012.
José Augusto Gava.
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