Wednesday, October 09, 2013

Chicote (da série Vale 100 Contos)

Chicote

O professor entrou.
- Bom dia, classe.
TODOS – bom dia, professor.
- Hoje vamos tratar do chicote, das técnicas psicológicas de descompressão.
Algum novato idiota se meteu.
NOVATO IDIOTA – que chicote, professor?
Os veteranos ficaram consternados.
O professor ofereceu a pergunta fácil para a resposta fácil, como na Escolinha do Professor Raimundo, ao seu preferido, Dilwan, que o pessoal chamava de Dilmenor, porque ele era pequeno.
- O que é, Sr. Dilwan?
DILWAN (captei vossa mensagem, amado mestre) – é o ônibus.
PROFESSOR (se aproximando para colocar o braço sobre o Dilwan) – é porisso que eu gosto desse neguinho.
Abriu um imenso sorriso e Dilwan também abriu que nem mala velha. Que pode ser melhor que nota 10 em matemática, gostar do professor e ser gostado por ele?
A classe estava revoltada. Uns faziam gestos com o dedo médio, ao mesmo tempo em que diziam (, fingiam racismo, mas eram todos amigos).
- É isso aí, Dilwan.
- É o maioral.
- Esse tá por cima.
Esses eram os piores. Colocavam pó de cansanção no bolso dele, mergulhavam a toalha em urtiga triturada (pondo-a para secar), punham elixir paregórico no café, um inferno.
PROFESSOR – pois é, aluna (essa era a pior desconsideração, não falar o nome; ou dizer “alunado”, o curral dos alunos). É o ônibus. É o que usamos para chicotear os passageiros e tirar o nosso sustento psicológico, nossa diversão. E a senhorita responda: o que é a ponta do chicote?
A novata não sabia.
PROFESSOR – senhor Gérson?
GÉRSON – são os fundos, professor, a cozinha.
Um novato se meteu.
NOVATO – o cuzinho, professor.
O professor ensombreceu, havia senhoras na sala.
PROFESSOR – pois então, essa parte de sua anatomia. Como quando passamos depressa num quebra-molas, os de trás dão saltos de meio metro, até um metro, conforme a sabedoria, quase batem a cabeça no teto. Depois dos pneus traseiro a carcaça fica em balanço, daí os saltos, agradeçamos aos quebra-molas.
As veteranas cobriam a boca com a mão, os veteranos abaixaram o rosto para rir.
- Muito bom, professor.
PROFESSOR – quem disse isso?
Alguém levantou timidamente o dedo indicador.
PROFESSOR – isso, seu Nestor, muito bom, mas tem de ser cuidadoso, não pode parecer proposital, não é verdade?
NESTOR – sim, professor, uma vez até virei pra trás e pedi desculpa, depois na garagem a gente riu muito.
A classe era unidocente, porque a escola fazia questão de os mais velhos ajudarem os mais jovens na terapia – os motoristas e as motoristas eram os mais felizes, vindo depois os trocadores, quando eles conseguiam dar o sinal errado e o motorista fechava a porta em cima de alguma velhinha ou alguém com um carrinho que ficava preso.
VETERANO (querendo ajudar) – e quando a gente dá as “freadas de arrumação”, professor?
PROFESSOR (condescendente) – tudo isso é velho, tudo isso é antigo, isso de empurrar as pessoas pra frente quando freia ou para trás quando arranca ou tombar o ônibus pra direita ou para esquerda, precisamos de criatividade.
VETERANO – pode ser velho, professor, mas uma vez consegui derrubar um velhinho. Pelo retrovisor eu vi que ele não tinha pegado a barra, arranquei e ele caiu de bunda, foi hilário: “o senhor desculpa aí, viu?”
PROFESSOR – não se pode abusar das táticas, seu Raposo.
OUTRO VETERANO – e o trocador deixar aberto o teto ao vir que vem chuva?
PROFESSOR – pode, mas as crianças e as grávidas devem ser protegidas.
OUTRO NOVATO – por quê deram esse nome, professor?
PROFESSOR – qual é mesmo seu nome?
OUTRO NOVATO – Ricardo.
PROFESSOR – pois é, seu Ricardo, vem de que o chicote de um lado tem a mão que o segura e do outro pode atingir velocidades altíssimas, chegando ao supersônico e ao estalo. Com o ônibus é a mesma coisa, quem sabe usar tira o maior proveito e os melhores estalos, que são os risos. Nunca vai ter stress, nunca vai precisar de psiquiatra ou de psicólogo.
Serra, segunda-feira, 22 de julho de 2013.
José Augusto Gava.

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