Personagens Non Gratas
Como sempre acontece, depois do esforço inicial para mostrar serviço e ser aceito, depois dos dois anos de estágio probatório tudo caiu na rotina e as personagens não queriam mais trabalhar, aquele sufoco.
Sindicalizaram-se, se organizaram e partiram para a luta contra “a super-exploração” pelos autores. Queriam direitos, queriam ser respeitadas, não queriam estar disponíveis para os leitores a toda hora do dia, se fossem trabalhar no estrangeiro queriam férias duas vezes por ano, se os livros fossem abertos em dois ou mais lugares ao mesmo tempo queriam receber em dobro e assim por diante. Naturalmente fazer plantão para trabalhar à noite significaria receber em dobro, bem como aos sábados e domingos, para não falar em dias feriados, quando eram mais requisitadas.
Partiram pra greve.
A Comissão de Greve lançou os panfletos, colocou as faixas, as personagens se reuniram ali no Colégio do Carmo, Centro de Vitória, onde a Mesa Diretora abriu as inscrições e as falações.
- Colegas, há tanto tempo vimos trabalhando sem reconhecimento, sem sequer uma estátua. Alguém já viu estátua de personagem? (alguém diz: sim, existe). Certo, uma ou outra, e a grande maioria, a maioria silenciosa? Pergunto: temos consideração? (a mesma voz: tem personagens muito respeitadas, ATÉ MAIS QUE OS AUTORES, ATÉ MAIS QUE MUITOS HUMANOS). Gente, alguém quer calar a boca desse idiota?
PERSONAGENS FAMOSAS
- Idiota é a mãe, filho da puta, parcialidade, não, não aguento, eu mesmo sou uma das personagens respeitadas.
A Mesa interfere.
- Gente, baixo calão, não, pelo amor de Deus, pode ter crianças nos lendo.
- Então, continuando. Há quanto tempo vimos sendo superexploradas? Décadas, centenas de anos. Os leitores, os editores, os autores principalmente...
- Certo, mas se não fossem os autores não teríamos vida.
- Pôrra, você está aqui pelo quê? Veio babar a reunião? Tira essa personagem puxa-saco daqui antes que eu me aborreça.
- Vai fazer o quê? Vai me bater?
- Mesa, pela ordem, vamos pros particularismos ou vamos discutir a greve?
Mesa, impondo a ordem.
- Queiram se ater à questão central, por favor.
- Mesa, pela ordem. A questão é a da liberdade: é para sermos tendenciosos?
- Quem está sendo tendenciosa, sua pulha filha da pulha!
- Não ofenda minha mãe, seu corno, safado.
- Corno é o teu pai.
Ai descambou pra porradaria, foi preciso chamar a Polícia da Autoria e tudo saiu dos eixos.
Serra, sexta-feira, 12 de outubro de 2012.
José Augusto Gava.
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