Sunday, October 27, 2013

Ra Buda (da série Se Precisar Conto Outra Vez)


Ra Buda


 

A Rafaela desde a adolescência passou a ser chamada de Ra, assim como se diz Dê das Denise, Ma das Maria, Marga das Margarete (neste caso é a Marga) e assim por diante.

Depois de casada, mãe de duas meninas e um menino, ainda quando não tinham ido para a universidade a Ra achou que tinha “visto uma luz”, achou que tinha sido iluminada, assim como Buda lá debaixo dos galhos da Árvore Bodhi. Para Buda foi fácil, que era o Sidarta Gautama, príncipe, homem, tudo tranquilo. E mulher? Tomar conta de duas meninas e um menino, e do marido folgazão, fazer compras, pagar as contas, ir a reunião de pais (que só vão basicamente as mães, por quê não chamam logo de “reuniões de mães”? Claro, quando eventualmente vai um homem pegaria mal, tá bem), consertar as roupas, comprar roupas, fazer maquiagem, fazer comida, trabalhar fora, limpar a casa (que as empregadas nunca fazem nada direito), passar roupa quando é necessário (a roupa mais fina a gente não pode deixar nas mãos delas, nem a roupa íntima, estragam tudo), se defender das fofocas das amigas, sair de férias, TPM (tô pra morrer), cuidar do carro, ir levar e trazer as crianças, cuidar nas doenças, cama com o marido (que ninguém é de ferro, a não ser ele, claro), conversar com o irmão e a irmã e os irmãos do marido, ir visitar papai e mamãe e o pai do marido e a nojenta da sogra, ir à igreja, algum cineminha, ir ao shopping, passear com as amigas, fazer as unhas, pintar o cabelo, conversar com a empregada, ler algum livro, ver uns filmes na televisão, controlar os cartões.

Ufa!

Teve aquele lance do filme do sudeste asiático no qual a mulher perguntou se mulheres podiam ser Buda e o motorista do táxi disse que sim, “mas primeiro tem de encarnar como homem”. Deve ser porisso. E eu, que pensei que era preconceito.

SOMBRA E ÁGUA FRESCA


http://brasil247.com/images/cms-image-000074333.jpg
http://www.cafeimpresso.com.br/cafeimpresso/files/2010/01/buda.jpg
Queria ser assim! Acho que foi porisso que ele abandonou a família, quem aguenta?
http://www.culturamix.com/wp-content/gallery/deus-budista-quem-foi-buda/deus-budista-quem-foi-buda-6.jpg
Tudo homem, tudo vagabundo.
http://caminhodomeio.files.wordpress.com/2008/09/bela-imagem-de-buda.jpg
Resistindo às tentações: sem nada pra fazer até eu, né?

Foi justo quando ela estava passando por um período difícil no trabalho, tendo que administrar homens e mulheres e mais a clientela, vou te contar, é difícil.

Dirigir carro nesse trânsito de Vitória, quem aguenta? Os ordinários dos políticos não dão atenção ao povo, a gente padece, sofre nesse trânsito. Tô defendendo ela, sim, sou amiga, como não vou tomar partido?

Pra homem é tudo fácil.

E tomar um chopinho que seja? Sempre pesando nas tarefas todas de casa, a mente não descansa. Botar as fofocas em dia? Uma dificuldade. A menstruação das meninas chegando, pensar nas faculdades se não passar na federal. A parentada que não dá folga, um falatório do cão. Filho na colônia de férias, o perigo da Internet, a insegurança nas ruas, quer saber, a Ra até que foi bem longe, não deu pra ser Buda, mas valeu o esforço, tá bom? Vai fundo, Ra. Tô junto contigo, garota.

Dou um desconto, já viu iluminada mulher?

E brasileira ainda por cima?

Também, ficou Ra Buda, de fato ela tem uma bunda um pouco grande mesmo, aí foi mais difícil, não liga pra maledicência, querida.

Não era pra ser.

Você foi longe, guria, tô contigo e não abro.

Depois, a Ra entrou na “era da paz”, já que não dava pra ser iluminada, muitas exigências.

Aí foi pior, porque começaram a dizer Ra Paz e ela ficou parecendo masculinizada, que horror! Não é nada disso. Pode parar com a implicância.

Serra, domingo, 25 de março de 2012.

José Augusto Gava.

No comments: