Ra Buda
A Rafaela desde a adolescência passou a ser chamada
de Ra, assim como se diz Dê das Denise, Ma das Maria, Marga das Margarete
(neste caso é a Marga) e assim por diante.
Depois de casada, mãe de duas meninas e um
menino, ainda quando não tinham ido para a universidade a Ra achou que tinha
“visto uma luz”, achou que tinha sido iluminada, assim como Buda lá debaixo dos
galhos da Árvore Bodhi. Para Buda foi fácil, que era o Sidarta Gautama,
príncipe, homem, tudo tranquilo. E mulher? Tomar conta de duas meninas e um
menino, e do marido folgazão, fazer compras, pagar as contas, ir a reunião de
pais (que só vão basicamente as mães, por quê não chamam logo de “reuniões de
mães”? Claro, quando eventualmente vai um homem pegaria mal, tá bem), consertar
as roupas, comprar roupas, fazer maquiagem, fazer comida, trabalhar fora,
limpar a casa (que as empregadas nunca fazem nada direito), passar roupa quando
é necessário (a roupa mais fina a gente não pode deixar nas mãos delas, nem a
roupa íntima, estragam tudo), se defender das fofocas das amigas, sair de
férias, TPM (tô pra morrer), cuidar do carro, ir levar e trazer as crianças,
cuidar nas doenças, cama com o marido (que ninguém é de ferro, a não ser ele,
claro), conversar com o irmão e a irmã e os irmãos do marido, ir visitar papai
e mamãe e o pai do marido e a nojenta da sogra, ir à igreja, algum cineminha,
ir ao shopping, passear com as amigas, fazer as unhas, pintar o cabelo,
conversar com a empregada, ler algum livro, ver uns filmes na televisão,
controlar os cartões.
Ufa!
Teve aquele lance do filme do sudeste
asiático no qual a mulher perguntou se mulheres podiam ser Buda e o motorista
do táxi disse que sim, “mas primeiro tem de encarnar como homem”. Deve ser
porisso. E eu, que pensei que era preconceito.
SOMBRA E ÁGUA FRESCA
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Queria ser assim! Acho que foi porisso
que ele abandonou a família, quem aguenta?
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Tudo homem, tudo vagabundo.
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Resistindo às tentações: sem nada pra
fazer até eu, né?
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Foi justo quando ela estava passando por um período
difícil no trabalho, tendo que administrar homens e mulheres e mais a
clientela, vou te contar, é difícil.
Dirigir carro nesse trânsito de Vitória,
quem aguenta? Os ordinários dos políticos não dão atenção ao povo, a gente
padece, sofre nesse trânsito. Tô defendendo ela, sim, sou amiga, como não vou
tomar partido?
Pra homem é tudo fácil.
E tomar um chopinho que seja? Sempre
pesando nas tarefas todas de casa, a mente não descansa. Botar as fofocas em
dia? Uma dificuldade. A menstruação das meninas chegando, pensar nas faculdades
se não passar na federal. A parentada que não dá folga, um falatório do cão.
Filho na colônia de férias, o perigo da Internet, a insegurança nas ruas, quer
saber, a Ra até que foi bem longe, não deu pra ser Buda, mas valeu o esforço,
tá bom? Vai fundo, Ra. Tô junto contigo, garota.
Dou um desconto, já viu iluminada mulher?
E brasileira ainda por cima?
Também, ficou Ra Buda, de fato ela tem uma bunda um
pouco grande mesmo, aí foi mais difícil, não liga pra maledicência, querida.
Não era pra ser.
Você foi longe, guria, tô contigo e não
abro.
Depois, a Ra entrou na “era da paz”, já que
não dava pra ser iluminada, muitas exigências.
Aí foi pior, porque começaram a dizer Ra
Paz e ela ficou parecendo masculinizada, que horror! Não é nada disso. Pode
parar com a implicância.
Serra, domingo, 25 de março de 2012.
José Augusto Gava.
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