Wednesday, October 09, 2013

Curso de Formação de Condutores (da série Vale 100 Contos)

Curso de Formação de Condutores

A classe era, além de mista, unidocente e multinível: havia vereadores, deputados estaduais, deputados federais, prefeitos, senadores, governadores, pois a ideia era os mais altos ajudarem os mais baixos e estes admirarem aqueles, bajulando, elogiando, babando mesmo desbragadamente, sem qualquer constrangimento. Os de cima urravam de prazer, deliravam com todo aquele servilismo – eles já tinham passado por isso. E ainda lhes servia, pois os do Baixo Clero, os menos importantes lambiam os do Alto Clero, os verdadeiramente importantes que confraternizavam com os do poder verdadeiro do Executivo, do Legislativo, do Judiciário.
O professor entrou de beca, era um conhecido juiz-empresário que pela frente julgava e por trás se aproveitava de quem podia.
Fora os do Alto Clero, todos reverenciaram. O professor inclinou a cabeça para um e outro.
PROFESSOR – bom dia, classe.
QUASE TODOS – bom dia, professor (os vereadores novinhos eram os mais entusiasmados, quase pulavam de satisfação).
Encenando quanto podia, o professor foi lentamente até a escrivaninha, tirou os livros, arrumou-os e começou a preleção.
PROFESSOR – que são os maquiavéis?
VEREADORZINHO IDIOTA – maquiavéis?
PROFESSOR – maquiavéis vão de 001 a 100, estes os mais perfeitos. São de vários tipos: os mais tradicionais são os lançamentos das notícias ruins tudo de uma vez. Vem de Nicolau Machiavel, italiano que escreveu o Príncipe, quer dizer, O Governante. Aliás, quero um trabalho de cada novato para segunda, não pode copiar da Internet, não pode não ler, não pode fazer em dupla.
OUTRO VEREADORZINHO IDIOTA – poxa, professor.
PROFESSOR – se você for ficar chorando é melhor sair logo. Os outros tipos de maquiavéis são: 1) lançar leis nas vésperas do Natal, do Ano Novo, de Corpus Christi, do Carnaval e outras datas caras ao povo; 2) criar uma confusão qualquer para atrair os olhares; 3) especial é lançamento de leis restritivas ou prejudiciais depois de o Brasil ser campeão, mas isso só pode acontecer algumas vezes, é raro, essa é a ideal, todo mundo tá desarmado, todo mundo aceita tudo; 4) depois de guerra também é ótimo, mas a última do Brasil foi em 1945, não se pode contar, esvaziamento total. Tem muita coisa, quem quiser compre meu livro (quem não compraria?) ou outros que tem por aí (quem compraria?). Um campo amplo, desde as grandes até as pequenas. Acho que o maior maquiavel foi 67, M67, alguém sabe de um maior?
SENADOR ADALBERTO – 69.
PROFESSOR – depois o senhor me conta. E kissingeres, alguém já ouviu falar?
Poucos tinham ouvido, só os diplomatas, alguns senadores do Alto Clero, só a gente da alta, o resto todo ficou boiando.
PROFESSOR – vem de Kissinger, o secretário-ministro americano, Doutor Strangelove.
DEPUTADO ESTADUAL IDIOTA – quem, professor?
PROFESSOR – caramba, o nível tá baixo este ano! Você precisam de cultura. O filme, droga, o filme, vão assistir. Um cracão, o mestre das traições. Tem muita gente grande nesse setor, por exemplo, no Bilderberg e nos grupos de conspiradores, mas ele é o maior, tanto assim que poucos viram. Se os maquiavéis já foram a 69, os kissingeres só chegaram a 17.
DEPUTADA ESTADUAL IDIOTA – poxa, professor.
Belíssima, o professor riu pra ela, ela riu de volta, ele fez sinal de telefone, ela fez sinal de positivo, superdiscreto a ponto de todos verem, ele era casado, mas ninguém iria entregar, isso nunca.
PROFESSOR – então, dona Gilmara, os kissingeres consistem em trair sem dar na vista, trair na frente de todo mundo sem ninguém notar. Há muita gente boa nisso, por exemplo, nas empresas tanto para dentro quanto para fora, na diplomacia (os diplomatas concordaram com a cabeça), no Alto Clero (idem), mas nunca no Baixo Clero, que é muito primário (os do BC ficaram impassíveis para não serem identificados, mas todo mundo sabia quem eles eram, os sacanas do BC).
GILMARA (rindo com seus lindos dentes e sua face rosada) – professor, e os vende-pátria?
PROFESSOR – também, também, mas aí não podemos aprovar, porque prejudica a todos nós, mas se você conseguir fazer sem ninguém saber, pode ser... Contudo, os kissingeres são de elevadíssima finura, construção elaborada, muito meditada, obra de arte mesmo.
Quem conhecia batia a cabeça que sim, cheios de admiração.
PROFESSOR – amanhã vamos falar de cinco casos K, K1 a K5, depois pegaremos os seguintes um por semana. Como trabalho do semestre vamos esmiuçar o caso do Quarteto Porrada Dura (Bush, Rumsfeld, Chaney, Rize), as falsas provas e o processo de falsificação, o plantio de boatos, tudo isso.
Serra, segunda-feira, 22 de julho de 2013.
José Augusto Gava.

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