Friday, October 11, 2013

Fazendo a Revolução (da série Vale 100 Contos)

Fazendo a Revolução

O professor ficava diante do quatro (negro, verde, branco) e dizia:
- Gente, vamos supor que temos de fazer a revolução e que começamos da ponta de um alfinete.
Então, batia com a ponta do giz (ou do pincel) no quadro.
- Este é o começo. Se só houver ele nada deixará de ser excluído e estaremos prontos. Vamos ver se excluímos alguma coisa de que a gente goste muito e seja inegociável.
Fazia-se silêncio na sala. Encompridava, ficava meio constrangedor, o professor puxava:
- Podem falar, sem acanhamento.
Timidamente alguém dizia, bem baixinho.
- Churrasco.
- Que é, dona Nair?
- Churrasco.
- Churrasco. Gente, podemos ficar sem churrasco?
TODOS – não, professor.
Ele ia e escrevia no canto superior direito ou esquerdo bem pequenininho, tão pequeno que as pessoas mais de trás não conseguiam ver, mas como tinham ouvido, sabiam o que era.
- Hipoglós nas assaduras.
- Praia naquele calorão.
- Cerveja véu de noiva, geladíssima no verão.
- Bacalhau à portuguesa.
- Grandes filmes.
- Grandes músicas.
- Internet.
- Preservação da vida.
- Igreja.
- Amigos (vários bateram palmas: “já lembrou tarde”).
- Matemática.
- Chiclete.
E a lista foi crescendo, ele passou para o outro lado.
- Matisse (lá de trás um provocador gritou: quem?)
- Piscina.
- Iogurte.
E foram e foram e foram, o quadro foi enchendo até não haver nem um buraquinho, o professor foi escrevendo no meio, ficou tudo branco.
- Tá bem, turma, pode ir.
Eles saíam, o professor ia até a diretoria da firma capitalista falar da missão cumprida: mais 40 pra caçapa.
Serra, sexta-feira, 19 de julho de 2013.
José Augusto Gava.

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